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São cinco e meia da manhã e acordar a essa hora ou antes já virou rotina. Chove lá fora, uma chuva muito esperada por mim. A região de Boston acaba tendo chuva de maneira irregular e exatamente aqui em casa demorou muito tempo para chover. Cheguei a ver as plantas no parque aqui atrás e nos jardins de vizinhos murchando. A chuva, que antes era vista como incômodo por mim, virou benção e eu agradeço.
A vida anda muito corrida. Já percebi que durante o semestre letivo é praticamente impossível escrever meus textos. E a alma dói pela não escrita. Por isso, mesmo com textos mais elaborados esperando para sair do peito, resolvi contar o sonho dessa noite.
O estresse cotidiano tem me feito sonhar menos com roteiros malucos. Mais frequente são os sonhos com "monstros" que provocam o ataque de pânico no meio da noite como: chegar atrasada em uma aula ou esquecer tudo que eu tinha que ensinar; perder as malas ou me perder de pessoas queridas durante uma evacuação em meio a uma guerra; tentar ir ao banheiro e não achar um que tenha porta. Esses são sonhos recorrentes, imagino que frutos da minha síndrome de impostora e do constante sentimento de inadequação.
Mas a noite passada me trouxe uma viagem diferente. Era noite e eu voava e um balão de ar quente. (Dizem que quando no sonho é de noite, é bem possível que a alma esteja dando as suas voltas. Fico feliz pela viagem da minha alma, porque meu corpo estava muito necessitado de uma noite de sono tranquila.)
O balãoem que eu viajava possuía uns sofás fofinhos e eu ficava meio deitada meio sentada, tentando me segurar porque os ventos estavam fortes e o balão voava rápido. Havia um grupo de desconhecidos no balão e parecia que eu era uma convidada.
Chegamos numa comunidade de pescadores, numa praia cheia de veranistas. A família que conduzia o balão era pobre, e parou em frente a uma casa com paredes everdeadas pintadas com cal. Eu sabia que dali iríamos para outros lugares e eu estava esperando eles se ajeitarem para partimos. Usei um banheiro longe da casa, que tinha um buraco no chão e organizei as minhas coisas. Veio um menino dizer que a minha blusa - que eu dobrava - era dele e eu falei que podia ser parecida ou coincidência, mas essa eu tinha trazido comigo. Ele insistiu, e eu tive que esclarecer que era uma confusão, que ele deveria procurar a blusa dele na casa dele. Eu sabia que o menino estava mentindo e que a situação exigia limites, mas eu estava bem cansada para colocá-los e acabei dando a blusa para ele, depois de ver que eu tinha outra se esfriasse. (paralelos com a realidade? Não sei.)
Enquanto eu esperava fora da casa, observando a movimentação na praia entre gente tomando sol, crianças brincando, pescadores trabalhando, vendedores gritando (era uma pequena baía com uma encosta à esquerda, e muitas casas colorindo o morro), o tempo começou a mudar. Começou a ventar mais forte. A chuva vinha vindo com todas aquelas nuvens pesadas, dramáticas, num cinza escuro. Pensei comigo o quanto seguro seria voar no balão com aquele tempo se formando.
Os equipamentos que estavam ao redor do nosso balão estacionado e desinflado começaram a voar. E eu gritei para as pessoas dentro da casa que o vento estava forte ali fora. Enquanto eu observava preocupada as nossas coisas voando, apareceu um outro balão - tipo um zepelin pequeno - que tinha uma base em forma de barco que pousou na areia na praia. Estava carregadíssimo de barras de sabão e me parecia que era um balão-caixeiro-viajante que viajava vendendo sabão pelas comunidades. O vento o desestabilizava, ele levantava do solo e pousava de novo e o seu piloto puxava uma corda aqui e outra acolá para poder mantê-lo firme. Pessoas se juntaram ao redor do barco-balão para comprar sabão. Num rompante de vento, o balão subiu de novo, voou para cima do mar e acabou pousando na água com um solavanco. Eu fiquei observando a cena toda, pensando o quanto carregado estava aquele barco-balão e o quanto o moço manobrando tinha experiência, pois parecia focado e calmo. Ao mesmo tempo refleti o quanto a necessidade o tinha colocado naquela situação em que vender pedras de sabão em um balão seria a única opcão de vida. Então, para ele, aquele risco de viajar na tempestade não era uma questão de escolha, era uma questão de sobrevivência.
Enquanto eu esperava meus companheiros se ajeitarem para saírmos com o nosso balão, escureceu bastante, ficou noite, e notei que uma das sacolas com parte do nosso balão dobrado foi levantada e flutuava no ar com as constantes lufadas de vento. Corri segurá-la para não voar longe e gritei para o pessoal que as coisas estavam voando, se haveria algo que deveríamos fazer. Eu estava preocupada, mas ao mesmo tempo sabendo que não tinha conhecimento suficiente para saber se era possível voarmos com aquele tempo ou não. Depois de ter visto o balão do sabão chegando junto com a tempestade, imaginei que era algo que podíamos fazer.
Um cão que era branco, mas estava bege de sujeira, apareceu para me fazer companhia. Parecia que ele iria conosco. Acordei.
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