A felicidade de ver o brotinho na planta resgatada |
Eu já devo ter falado da minha avó materna por aqui. Posso estar correndo o risco de me repetir mas não me importo porque a presença dela na minha vida é constante. E mais esquisito é lembrar que eu achava que a gente não tinha nada em comum.
Quando eu me entendi por gente - ao redor da pré-adolescência - eu percebi que a casa do meus avós era muito bagunçada. Cheia de cacarecos, beirando a acumulação.
Meu vô tinha o “paiol”, um barracão fora da casa, também cheio de coisas.
Ele, carpinteiro com mãos mágicas e uma relação íntima com a madeira das árvores nobres, ajudou a construir as casas dos candangos que construíram Brasília. Além disso, criou e montou móveis para um monte de gente - alguns ainda estão nas casas de primos - e brinquedos que duraram uma vida.
Ela era versada em todas as artes dos nós: tricô, crochê, bordado e costura. Era tão boa que dava aula. Sua missão profissional era dar esperança de autonomia a mulheres pobres que, com o conhecimento, costuravam as roupas dos filhos ou “para fora” e faziam tricô e crochê para vender. Eu fico pensando no tamanho da dor dessas mulheres. Dor de não saber se vai conseguir por comida na mesa, se vai conseguir vestir os filhos, se vai conseguir dormir sem um olho roxo.
Lembro de dormir no meio dos meus avós quando era bem pequena e “pousava” na casa deles (eu era o recheio do sanduíche, segundo a minha avó). Depois, imagino que por causa das brigas, eles fizeram quartos separados. O do meu avô era na frente da casa, pequeno, minimalista. O da minha avó era do outro lado da casa, nos fundos, passando a cozinha.
O quarto dela era enorme para os modelos que temos hoje. Na verdade, a gente nunca enxergou o quarto como enorme porque desde que me conheço por gente ele sempre esteve entupido de coisas. Lá havia cinco máquinas de costura* (uma era Overlock) e duas máquinas de tricô industriais. Minha avó “sofria dos nervos” e tinha insônia. Passava as noites costurando, ou criando arte com os fios. Hoje acho que a falta de noites bem dormidas foram o gatilho para crises de ansiedade e depressão, o que não a deixava dormir, e provocavam mais ansiedade e depressão. Se hoje, ainda temos poucos recursos/pesquisas para resolver esses sintomas, imagina na época dela.
Por saber fazer praticamente tudo em crochê, tricô e costura, minha avó era atraída pelo desafio de fazer coisas novas. Então tudo que ela via de bonecas, meias de lã, pulovers, toucas, toalhinhas, ela pegava o desenho e começava a copiar os pontos para ter como modelo. E o sistema que ela criou era bem simples: ela guardava a página da revista/molde com o modelo do ponto, a linha, a agulha e o ponto com a coisa feita pela metade, em uma sacola. Então quando ela quisesse voltar àquele projeto ela tinha a sacola com todas as informações só para continuar. E foi desse jeito, pensando que um dia “iria precisar” daquele específico molde de costura ou do modelo daquele ponto de crochê que ela acabou com 172** sacolas penduradas nas paredes do quarto. No começo meu avô pendurava uns suportes para as sacolas dela. Com o tempo, eram pregos grandes que ela mesmo martelava na parede e pendurava as sacolas.
É uma pena que não tenhamos fotos do quarto dela, mas se um dia a gente conseguir imprimir as imagens que temos no cérebro – lembra da ideia, Pablo? – eu mostro o quarto da minha avó cobertinho de sacolas por tudo.
Com o tempo, ela não acumulava mais só os projetos. Ela ia trazendo para casa coisas que outras pessoas jogavam no lixo. Pode-se dizer que essa mania começou a acumulação. Vinha de tudo. Desde louças, livros, acessórios. Foi assim que ela começou uma coleção de malas vintage. Eram lindas e ela usava para colocar mais coisas dentro.
Quando minha avó ficou bem doente, minha mãe decidiu mudá-la para mais perto, para a casa da minha mãe. Assim, tudo o que ela tinha juntado acabou sendo distribuído na família, doado para quem fosse usar, e também jogado fora. Lembro que minha mãe passou um tempão arrumando tudo. A casa foi desmontada e construíram outra no lugar. Eu acabei ficando com duas malas vintage que carrego para todo lugar, uma máquina de costura e com a sala de jantar (com cristaleira e tudo) que hoje está na casa da minha irmã. Eu nunca me imaginei aproveitando os projetos da minha avó porque sou um desastre em tricô e crochê. Em costura, eu mal e porcamente arrumo algumas coisas e estou me ensaiando para fazer uma saia para mim.
Enfim, nada em comum, né?
Até eu perceber algo, umas duas semanas atrás. Espera que conto.
Já faz uns anos que teço cachecois e alguns tapetes em um pequeno tear. É um passatempo escolhido há anos. Fiz para amigos e família, um sempre diferente do outro, e decidi vender alguns pela Etsy. Há alguns anos criei minha página no Instagram (segue lá: @carpescarf), e, acabei seguindo alguns tecelões e artesões. Uma dessas profissionais mostrou como tecer uma bolsinha inteira, sem precisar costurar, usando um pedaço de papelão. Uma ideia ótima e simples para eu fazer quando fosse visitar a neta, pensei.
A bolsinha-teste - para ver o processo visite @carpe_scarf |
Então comecei a catar os pedaços de caixa de papelão que serviriam para fazer bolsinhas de diversos formatos e tamanhos. Quando vi já tinha uns nove pedaços diferentes amontoados com as minhas coisas de costuras e tear. Precisava de um só pedaço de papelão, mas vai que, né?
E o projeto ficou ali, esperando o semestre letivo acabar.
Quando, enfim, o curso de verão acabou eu tinha umas duas semanas para me preparar para ir visitar a neta. Sem titubear tirei do armário os pedaços de papelão, os alfinetes, as agulhas grandes de tear e fucei nas caixas que continham linhas e lãs, o que poderia servir para esse projeto. Juntei alguns novelos, os instrumentos todos, peguei uma sacola de pano, e joguei tudo ali dentro. Meu projeto de bolsinhas tecidas estava todo concentrado em uma sacola. Dei uma olhada nos meus projetos de costura – alguns de remendo de calças de marido - que também tinham sua sacola e decidi remendar algumas delas guardadas na sacola para quando eu estivesse com tempo.
Sacola das calças-do-marido-por-remendar |
Foi numa tarde, fazendo minha mala para visitar a neta, que notei os meus projetos classificados/organizados em sacola e caí em mim: eu estava virando a minha vó!!! Mais do que depressa, chamei o marido e combinei: olha, se eu começar a pendurar sacolas com projetos de artesanato na parede, me pare. Ele, sem entender muito, assentiu.
Mas essa “transformação na minha vó” não parou por ali. Certo dia saímos para caminhar a cã, que quase sempre tem a liberdade de escolher por onde vamos na vizinhança. E a cã decidiu que iríamos andar por mais de duas horas em uma área de casas mais chiques, enormes, com jardins lindos.
Eu ia devagar, às vezes um pouco mais atrás da cã e do marido só admirando os jardins cuidadosamente plantados. Até que avistei em frente a um desses casarões um conjunto de três mini árvores jogadas na calçada. Tiraram os vasos e deixaram as plantas ali para morrerem à míngua. Eu não pensei duas vezes: catei as coitadas que iam ser recolhidas pelo caminhão do lixo e fui caminhando com elas para casa.
Descobri, na caminhada, que estavam cheias de uns pulgões roxos, grudados nos caules. Pois, usei o restante do trajeto para tirar um por um, manualmente. Marido, para variar, estava me achando a maluca que vai agora ficar pegando coisas do lixo dos outros. Coisa, não! Planta! Lembrei dos amigos Priscila e Alessandro do Turyia - brechó das plantas (@turyiabrechodasplantas) que fazem exatamente isso em Curitiba: pegam as plantas jogadas fora e as recuperam.
Nessa caminhada para casa, filosofamos duas teorias. Segundo o marido, jogaram fora por que não tinham mais jeito e os pulgões eram a prova disso. Na minha visão – embalada pela história da Pri – a galera não tinha muita paciência, nem cuidado para realmente dar à planta o que ela precisava.
Pois quem você acha que estava com a razão? Cheguei em casa, achei um vaso de um tamanho decente, limpei bem as raízes, peguei a terra que sobrou das minhas outras plantas, dei uma bela podada nos galhos secos dessas três arvorezinhas e plantei, isoladas das minhas outras plantas no caso de um dos pulgões ter escapado da minha limpeza. Uma das arvorezinhas não aguentou e secou, mas as outras duas estão felizes da vida dando folhas novas.
As duas arvorezinhas felizes |
Bem que dizem que o fruto nunca cai muito longe do pé. Penso, que, de um jeito mais moderado e adaptado ao espaço e cultura de outro país, ando separando meus projetos em sacolas e catando coisas do lixo dos outros exatamente como a minha vó fazia.
Isso só me deixa uma pergunta: qual será a mania que minha neta vai carregar de mim?
*Confirmado com Tia Marcia que viveu com a vó.
**Minha mãe contou quando estavam desmontando o quarto.
Amei. Sabia que as formigas se alimentam de pulgões e que joaninhas 🐞 ajudam no conyrole de pragas? Só testando. Vi essa história... ou será estoria 😚
ResponderExcluirSabia, anônimo, o problema é que não consigo trazer formigas para o apartamento... Uma coisa quqe aprendi recentemente também é que a praga é um aviso de que a planta não está saudável, tipo a gente quando está com a imunidade baixa.
ExcluirEu vivi este texto com você! Amores são universais: avó, plantas e cãs! Beijas!
ResponderExcluirObrigada pela leitura atenta sempre, amada!
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