O passado que mora na caixa de email

 


Acabei de engolir em seco. Foi, acho, a primeira vez que eu engoli em seco e estava consciente do que estava fazendo. Na verdade era para segurar uma bola que estava se formando na garganta e que logo ia desaguar nos olhos. 

Eu estava ultimamente instigada pela porcentagem de uso de espaço que tenho no gmail lá embaixo da lista de emails na caixa de entrada. 9,18 GB de 15 GB. Nunca tinha me incomodado. Mas de uns tempos para cá a noção de que eu já passei da metade do que me é de direto, acabou importunando mais do que o normal.

Logo eu que não guardo coisarada. Que tenho uma predileção por limpezas e ando enamorada pela vida leve, onde a energia flui.

Certo dia, num dos momentos de procrastinação comuns eu fiz uma limpa nas pastas de arquivos. A mais cheia tinha 628 emails. Nada muito fora do normal. 

E o que é o peso de um email, minha gente? tem alguma coisa errada nisso.

Em um outro dia, esperando que atendessem uma ligação e fitando a caixa de entrada, caiu a ficha: deve ser o drive que está pesado. Fui lá e apaguei as mirradas pastas que ali estavam. Claro, não sem salvar fotos preciosas da família no HD externo. A memória desceu um pouquinho. 9,13 GB usados. Achei pouco.

Em um outro dia resolvi apagar todos os emails que já estavam na caixa de lixo. 9,11 GB.

Os dias foram passando e hoje, de novo, me dei de cara com os 9,18 GB. Num é possível. Atinei de olhar nos emails enviados. 6548. Desde de 2010 tudinho que eu enviei ou respondi estava lá. Tudinho. onze anos de emails.

Então, como se nada mais fosse importante, resolvi começar a limpar. E aí a gente sabe como a coisa vai. Se deixar, você abre cada um, ri para si mesma lembrando das coisas e leva duas horas para apagar 10 emails. Eu me conheço! 

Cheia dos pragmatismos, fui passando o cursor para alguns anos atrás rapidinho, sem olhar muito e do meio da lista comecei a clicar no quadradinho lá de cima para selecionar todos os emails da página e ir apagando. Iam de 50 em 50. No começo a coisa foi rapidinha. Até que alguns nomes começaram a saltar... Vídeos que mandei e quis saber do que eram, instruções, alunos mil e mais milhares de trabalhos acadêmicos. Emails trocados com amigas caríssimas que, fiz as contas, são caras há muito mais do que uma conta de email poderá dizer. Consultorias de comunicação, várias. Várias empresas e gentes que nunca mais vi. Nem sei se estão nessas empresas, se estão bem, felizes, se não perderam ninguém para esse vírus maldito combinado com essa necro-politica. 

Mas como eu disse, nomes que me saltaram. Nomes de gentes que eu sei que não estão mais aqui.

O primeiro foi o do pai. Trocamos várias mensagens, mas esta era de quando fui para Santiago fazer um intensivo de espanhol em 2011. Eu avisava que estava tudo bem, que iria postar meu diário aqui no blog e que ele poderia ler como tudo estava acontecendo. Ele me contava de como estava prestando atenção no meu filho e assinava: tu padre. Senti ele aqui pertinho, empolgado com os meus avanços tanto em outra língua quanto em sair pelo mundo.

Outro email foi do meu tio. Lembro exatamente onde eu estava e com quem (né, Isa) quando falaram que ele tinha falecido. Cádiz, escurecendo, janeiro de 2013. Esse tio tinha o costume, que herdei, de relatar as coisas e reunir as histórias da família. Nesse específico email ele contava de uma paróquia que ele ia assumir em Santa Catarina (era padre) e citava os vários nomes de primos que ele tinha visitado naquele final de semana.

Mas o que fez eu engolir em seco foi um em que eu enviava a descrição de um trabalho a ser feito no doutorado para um amigo. Nós dois éramos os curitibanos na turma de doutorado da Unisinos e tentávamos nos "cobrir" quando um faltava a aula. Victor tinha uma biblioteca inteira na casa dele e outra imensa na cabeça. Crítico e ácido, ele sempre conseguia achar o ponto fraco de alguém e fazer piadas deixando a pessoa sem defesa. Morreu do mesmo jeito, sem defesa, distraído, por um ônibus. Vida toda pela frente, no email ele explicava que ia tentar um concurso mas que queria ver se podia ter umas aulas na universidade onde eu trabalhava. Não chegou a ter nenhum dos dois. Nem o doutorado. 

Penso aqui, de novo: qual é mesmo a razão de corrermos tanto, preocupados com mil trabalhos, projetos, fazeres, com o eterno devir se o que fica mesmo, são só os emails?


Comentários

  1. O que fica é o sentimento que o e-mail te fez viver. O que vivemos, o que ensinamos, as marcas que formamos nos outros e que transformam o mode deste enxergar a vida. Não importa se corremos ou andamos desde que Nesta trajetória sejamos intensos, apaixonantes e transformadores. Beijos e boa sorte. Também tenho que resolver esses problemas com o Google.

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