Era para ter escrito mais aqui. Muito mais. Ando cheia das ideias, mas com um cansaço imenso para colocá-las na tela. Mas não podia deixar de fazer a minha reflexão sobre o que acabou de acontecer.
Porque se não faço agora, as ideias somem e viram só um sonho de possível texto.
Então, por bem ou por mal, esse texto vai sair na marra.
E é exatamente essa expressão que surgiu quando estávamos falando, eu e uma amiga de décadas, por um desses aplicativos que me recuso a dizer o nome.
Estávamos checando uma e outra e contando das nossas vidas atribuladas por esse ano mais do que maluco. Falamos sobre nossas dores e amores, sobre os sonhos e desafios internos.
E, ela, pensativa lá, concluiu:
- ... mas a gente se adapta.
E eu retruquei: -adapta. E, esse ano, na marra.
Magicamente eu fui transportada para uns bons anos no passado, quando eu dividia o quarto com a minha irmã, mas ela era ainda aquela mosquita, magrela e branquela choramingona.
Tudo que se fazia para ela podia provocar um choro de acordar o quarteirão todo. As perebas, as mais esquisitas, ela pegava. Era pequena, manhosa e dengosa com todo mundo.
Naquele dia especificamente, Mena, a nossa mãe dois, tinha tirado ela do banho e a estava ajudando a vestir o pijama. O cabelo longo e fino, era de um Deus nos acuda para pentear. Minha mãe, sempre durona, cortou o meu curtinho mesmo quando eu não queria.
O da minha irmã, ai se minha mãe pedisse para alguém fazer qualquer coisa. O quarteirão todo ficava surdo com os reclameiros. Então o cabelo foi crescendo e num tinha santo que pudesse cortá-lo. Cabia à Mena, heroína, pentear toda noite depois do banho e aguentar as lamúrias da mosquita.
- Aaaaiiiiii, eu não quero pentear o cabelo.
- Mas você sabe que se não pentear agora que está molhado vai ficar mais complicado depois que seca.
- Maas eu não queeeeeeeerooo.
- Mas vai doer mais depois e eu não quero ouvir mais reclamação.
- Mas eu nao vooou reclamar depois.
- Vai sim, já tentamos isso uma vez e daí você ficou cheia de nós nos cabelos.
Eu, largada na minha cama, presenciava aquele debate com um misto de tédio e irritação. Pré-adolescente, os instintos estavam mais violentos do que nunca para resolver a questão de um jeito mais definitivo: alguém peloamordedeus passe a máquina de cortar cabelo com medida zero na minha irmã, por favor?
- Nãaaaao queroooooooooooo, reclamava ela, desviando do pente.
Mena, já com a paciência se esgotando e um monte de outras coisas por resolver, fechou a cara e determinou:
- SE VOCÊ NÃO COLABORAR, VAI NA MARRA!!!!!!
A minha irmã parou o choramingo, arregalou os olhos, enxugou as lágrimas e perguntou:
- Onde é a marra? Eu quero ir na marra!! Me leva na marra??? Quem mora na marra?
Eu, detrás do livro que eu tentava ler, soltei uma gargalhada só de testemunhar a cara confusa da Mena e a animação da minha irmã, que deixou ela pentear o cabelo SÓ se a levassem na marra.
E é assim que toda vez que uso essa expressão, essa cena me vem a cabeça.
E é assim também, que talvez minha irmã tenha descoberto onde é a marra.
Minha irmã, minha amiga e todos nós, que temos que enfrentar, na marra, uma pandemia e suas exigências a nossa sanidade.
A marra talvez seja esse lugar em que tenhamos que nos isolar (na marra), tenhamos que nos afastar (na marra), tenhamos que nos adaptar (na marra), tenhamos que achar formas de sobreviver (na marra).
Ou, até de escrever, como foi esse texto, na marra.
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