A eternidade da maternidade

Já vi muitos pais, mais aqui nos EUA, dizerem que logo, logo, as preocupações com os filhos vão acabar porque eles vão fazer 18 anos... E sair da casa deles. No Brasil, essa expressão não tem uma idade específica, às vezes escuto mães dizendo que quando casarem o filho ou a filha vão poder finalmente descansar e relaxar e daí vão só mimar os netos...

É óbvio que na minha experiência de maternidade, eu torci muito para que o filho passasse voando pela adolescência. Li livros, pedi conselhos, fiz terapia, e coisas malucas para tentar ser uma mãe decente. Sei que mãe boa ou perfeita não existe. Mas eu lançava mão de tudo que tinha de ferramenta para garantir que as coisas estivessem pelo menos numa ilusão de controle, em que ele não fosse atropelado, passasse fome ou frio, fosse assaltado ou se envolvesse com drogas. Eram muitos perigos. Uma vez estávamos no pediatra e conversando ele perguntou o que tínhamos de café da manhã. Falei que era normalmente pão com alguma coisa e café com leite, chá ou achocolatado (o toddy). Ele achou bom já que havia uma febre dos tais cereais, só cereais. E citou um estudo que dizia que o café, logo depois de passado (20 minutos) tem componentes que se assemelham ao efeito que a cocaína produzia no organismo e que jovens que tomavam mais café, tinham menos tendência para experimentar drogas. 

Não tive dúvida. Pelos dois anos seguintes eu levantei às 5 h da manhã para passar café fresco antes da van pegar ele para ir à escola. 

É claro que maternidade é diferente para cada um e em tempos de vírus por aí, com todo mundo enclausurado em casa, aquilo que já era uma cobrança contínua para muitas mulheres, se tornou um monstro muito maior, porque a maternidade virou algo como umas 24 horas/dia de reality show. Nem a ilusão de que as mães relaxavam um pouco quando os filhos estão na escola existe mais. E tenho certeza que cada experiência materna é muito única e muito dolorosa ao mesmo tempo.

Aos diabos essa expressão de que ser mãe é padecer no paraíso. Ser mãe (e não precisa parir, falo de gente que cuida, se preocupa) é padecer no meio do inferno mesmo. Seja em qualquer rotina, classe social ou lugar geográfico. Pode parecer que algumas estão tirando de letra, mas pode ser só você vendo de fora. Mãe se preocupa, sofre, se desespera. Muitas fazem chantagens horríveis com esses sentimentos, outras lidam, outras se sufocam. Muitas dessas reações são bem físicas, palpáveis e nem sempre a gente dá a devida atenção.

Uma das minhas amigas contou esses dias que as três mechas de cabelo branco que ela tem nos cabelos apareceram quando cada filho nasceu. Ela tem três meninos. Eu não acreditei. Ela confirmou. Apontou cada mecha com cada filho. Eu lembrei do meu pai dizendo que os cabelos brancos que ele tinha era porque eu não me comportava. Achava muita figura de linguagem e uma chantagem emocional bem desonesta dele. A minha mãe era mais explícita na minha adolescência:
- Não vai sair não. Vai ficar em casa porque eu quero dormir essa noite. 
O cúmulo do egoísmo! E eu com isso que ela não era capaz de dormir, oras...

Enfim, como a vida é um bumerangue, levei uma pancada na cabeça recentemente. Voltou, né? Volta sempre. E dessa vez voltou com requintes de dores físicas. Nessas horas um desespero toma conta e a gente se apega a qualquer santidade, aos amigos e amigas que nos acolhem com toda paciência do mundo e sentem junto toda essa montanha-russa de emoções. O que seria de mim sem a rede amorosa de amizade que tenho ao meu redor?

O calvário começa quando eu me descubro não só mãe, mas sogra e vó. É uma maternidade que se subdivide e essa coisa do cuidar se multiplica. Não tem jeito. A preocupação se espalha como rastilho de pólvora e de repente você está perguntando se sua nora está tomando bastante líquido para amamentar, se ela tem dormido direito, se a nenê está bem, se o filho tem sido companheiro para ela. Você se coloca no lugar dela, se vendo sozinha com um bebê no colo, meio se referência, se cobrando o tempo todo. 

A distância atrapalha um pouco mais. Você está a milhares de quilômetros sem poder ajudar, sem poder pegar o carro e sair correndo se precisarem. Mas eles são capazes, daí você se acalma. 

Daí, como está tudo mesmo sob controle, decidem então que vão viajar num camper pela América do Sul. Há uns 10% da mãe tradicional dentro de mim que queria gritar para eles que isso era loucura. 
Mas aí a mãe modernosa, aquela que engravidou adolescente, tomou conta e dizia para ela mesma:
- Deixa. Para morrer basta estar vivo. Está todo mundo saudável, os dois falam espanhol, a nora é a mestra em planejamento, o filho a personificação da calma quando há imprevistos. Fazem um ótimo time. E a cerejinha do bolo é a bebê mais tranquila do planeta. O que poderia dar errado?

Hahahahahaahahahahahaahahahaha (essa é a vida gargalhando na minha narração aqui, gente, tá?)

Em duas semanas venderam tudo que havia no apartamento do Panamá. Ela vendeu tudo e ele estava negociando para comprar um camper com caminhonete no Brasil. Amigos ficaram com algumas coisas e algumas malas foram enviadas para a França (casa dos outros avós) porque o plano era passar umas duas semanas do verão lá. Enfim, coisas caminhando, num ritmo alucinado, mas caminhando. Final de janeiro, Lily, a neta, fez sua primeira viagem de avião, para o Brasil. Lá foram ver os outros avós, a bisa, os tios-avós, mas tudo coisa rápida porque o foco era a viagem com o camper. O plano? Brasil, Uruguai, Argentina, Bolívia, Peru. Aí de lá voariam de volta para o Panamá.

Tudo planejado, nora tinha indicação de pediatras para cada cidade que iriam, filho estava checando os últimos detalhes no camper recém comprado e saíram de Porto Belo - SC em meados de fevereiro em direção ao Uruguai. Fizeram uma conta no Instagram (@babychouontheroad, que exige uma explicação lá no pé da página) e a gente podia acompanhá-los por ali. Tudo certo. Meu coração de mãe estava num lugar decente, racionalizando que tudo ia ficar bem, porque eles sabiam o que fazer. Acostumada a ficar à distância e receber notícias de vez em quando, eu tratei com naturalidade todo esse processo.

A minha mãe, somando os papeis de vó e bisa também, fazia perguntas e eu dizia que tudo ia ficar bem.

As fotos da viagem eram de tirar o fôlego, Lily se comportou lindamente, eles atolaram a caminhonete e desatolaram, tomaram café em frente a lugares lindos, lavaram o porta-potty (lugar de fazer as necessidades no camper) quase vomitando, filho fez uns diários escritos e me mandava. Tudo lindo e apaixonante. Visitaram cafés e restaurantes fantásticos, paisagens de cair o queixo, usaram o drone especialmente comprado para fazer as imagens aereas. Coisa linda mesmo. Nas paradas iam encontrando pessoas diferentes, conhecendo gente, se socializando. Um aprendizado para a vida toda. 
Quando estavam no norte da Argentina decidiram mudar a rota e passar no Atacama. Era o sonho do filho, pelo que comunicaram. Indiquei tours e um restaurante de lá que nunca esqueci. Deu um calorzinho no coração ver filho, nora e neta visitando os lugares que me eram tão caros. 
Argentina

Uruguai


Enquanto estavam no Atacama receberam a notícia de que o Peru havia fechado as fronteiras por causa do Covid-19. Mudança de planos, então, Peru já não era mais uma opção.
Eu continuava calma já que filho tinha sido treinado para lidar com frustrações. Visitariam Machu Pichu em outro momento. Conversamos, avisei que ele deveria pensar onde queria fazer a quarentena já que essa era uma decisão que ia se espalhar rápido pela América do Sul. Chile ou Bolívia? 

Como eles tinham a casa nas costas, e poderiam se manter onde estivessem, eu não estava preocupada. Aliás, achei que foi a melhor situação já que estavam longe da civilização, de contaminação e dessa loucurada toda. Eu estava bem. Tem gente boa em todo lugar, eu sabia porque já tinha experimentado isso. Então aqui, no coração, estava tudo bem.

Mas eles decidiram ter possibilidade de voltar ao Brasil caso essa quarentena ficasse por muito tempo, então planejaram entrar na Bolívia. Como eu estava confiante, não tive detalhes de quando fariam isso ou como e nem perguntei. Também queria evitar ficar perguntando um monte de coisas, já que tinha um batalhão de gente fazendo isso.

Então fui dormir. E acordei pensando que já faziam uns dois dias que não tinha me comunicado com o filho. Eu estava tranquila, até pegar o celular de manhã e ler a mensagem do pai dele: - você falou com o Diogo ontem?

Deixa eu fazer uma pausa aqui para contextualizar. Eu me separei do pai do Di quando ele tinha 6 anos de idade. Nossa relação sempre foi muito intensa, dois cabeças-duras, muita queda de braço e confronto. Eu tentei fazer o melhor para o filho enquanto ele era pequeno, tentando ser imparcial, mas se havia uma pessoa que conseguia me tirar do equilíbrio era o pai dele. Nunca o odiei. Eu o admirava por diversas qualidades, mas nós não conseguíamos ter uma conversa civilizada por conta de todas as mágoas de um relacionamento que acaba. Então quando filho fez 14 anos e poderia resolver sozinho os encontros com o pai dele, deixamos de nos falar. Nos anos que se seguiram - outros 14 - nos conversamos raríssimas vezes, quando era estritamente necessário. Sem raiva, sem estresse, mas sem amizade também.

Então quando o pai dele - racional e frio - quebrou esse acordo de cavalheiros e me perguntou se falei com o filho e eu combinei essa informação com a ausência de contato por dois dias, uma náusea instantânea subiu pelo estômago. O coração começou a bater na cabeça, a injeção de adrenalina foi claramente perceptível e o corpo começou a funcionar em modo de alto estresse. Você não controla. Tudo acontece em segundos. 

Eram 5 da manhã e fui para o computador buscar os amigos que tinha no Chile. Eu não lembrava de ninguém conhecido na Bolívia. Comecei a acessar todo mundo que eu conhecia que poderia buscar informação. Pai do filho, do lado de lá, no mesmo ritmo, com a mesma adrenalina e éramos um time. Ele fez ligações, eu pedi para o querido professor de espanhol Fabian ajudar. Partilhamos informação. Acessei os pais da nora na França, mandei email para o filho no caso das redes sociais não estarem liberadas (experiência anterior), mandei mensagem para a nora no caso dela conseguir rede. Fabian pediu licença no trabalho dele para ir averiguar com a polícia da fronteira chilena se eles tinham passado ou não. 
Pai do filho adiciona ao rol de informações que a última vez que conversaram ele tinha planos de passar para a Bolívia - que tinha fronteira com o Brasil - numa área pouco conhecida, isolada, perigosa. E que a Bolívia ia decidir em horas se fecharia as fronteiras.
Fabian volta com notícias não muito boas, ou melhor, ausência delas. Ele não podia pegar informações pelo telefone porque não era familiar e pessoalmente a polícia não estava atendendo.


Pai do Di não tinha tido grande sucesso também. A essa altura eu já estava vendo preços de vôos Boston - Santa Cruz de la Sierra. Não é à toa que ninguém mexe com mães em geral porque em situações como essa, há um modo instintivo que se liga e faz você ir até o fim do mundo para checar sua cria. Você esquece medo, esquece dificuldade, dinheiro, dor, o escambau. E repito, esse sentimento aparece em qualquer mãe, mesmo a que não pariu.

Comuniquei com uma rede de amigas para que rezassem. Esse apoio foi fundamental para que eu mantivesse a sanidade. Eu sentia que havia mais gente comigo, segurando a minha mão e dando esperança.

Depois de algumas horas nessa aflição a nora responde a mensagem e um alívio/cansaço percorre o corpo. Eles passaram por um caminho no meio do deserto boliviano em que foi por um milagre que os pneus da caminhonete não furaram. Pedras enormes, com pontas por todos os lados e nada de sinal de estrada. Era um eterno nada. Mostro fotos. Eles levaram 7 horas para fazer 90 quilômetros numa tensão imensa por diversos motivos: não havia ninguém para pedir ajuda e não havia rede telefônica/internet (mesmo tendo contratado uma de alcance internacional). Nessas horas só consigo acreditar que todos os amigos rezando juntos fizeram essa diferença. Respirei.
Fronteira Chile-Bolívia (para ter uma ideia do nada)

A "estrada" no meio do deserto boliviano

Bolívia então fecha as fronteiras e o tráfego interno também. Junto com um casal de franceses que fazia um roteiro parecido de moto, eles pararam em um hotel muito bem estruturado em Sucre, a 18 horas da fronteira com o Mato Grosso do Sul.

Estavam seguros, estavam com comida, estavam saudáveis. Era para estar tudo bem. Sugeri que fizessem a quarentena ali, já que os dois tinham computador e poderiam trabalhar. Mas nenhum dos dois achava essa ideia boa. Não estavam felizes.

E é aí que essa coisa de maternidade pega, pelo menos para mim. Porque tem mãe que se os filhos estão juntos, ao alcance, tudo fica bem. Elas podem ver, podem pegar, abraçar. Eu vejo essa relação de um outro jeito. Não me importa onde meu filho está, mas ele tem que estar bem, feliz. A última coisa que eu desejaria era que ele estivesse perto de mim, mas infeliz. Então racionalmente, eu entendia que ele estava a salvo, mas não estava tudo bem porque eles não estavam bem. E aí, coração de mãe só se espreme. Não tem como a gente estar bem se a cria não está. Não existe isso.

E foi aí que começou a segunda parte de um sofrimento que se tornou físico e eu nunca imaginei que seria tão intenso. 

O hotel era no mesmo prédio do consulado brasileiro - uma baita sorte, por meio do qual eles estavam tentando conseguir uma permissão do governo boliviano para seguir até a fronteira e cruzar para o Brasil. Mas a combinação entre a profunda falta de organização do governo brasileiro nessa crise, com a quantidade de cidadãos na Bolívia pedindo repatriamento, fez esse processo se estender por mais de uma semana... Enquanto isso, o governo Francês fretou um avião para seguir para Santa Cruz de la Sierra e expatriar os franceses em território boliviano. 
Foi assim que nora e neta embarcaram num ônibus cheio de franceses para viajarem por 14 horas até Sta Cruz de la Sierra, dormirem no aeroporto, esperarem mais 17 horas para sair, voarem 12 horas até Paris e mais 4 horas até Lyon. 
Lily chegando em Paris



Lily no ônibus indo para Sta Cruz de la Sierra.

Nesse momento eu já nem tinha coração mais. Estava espatifado com a ideia de não ter previsão de quando filho veria a neta de novo, da nora ter que, nesses tempos que se assemelham aos de guerra, fazer esse trajeto todo com a neta, sozinha. E, acima disso tudo, o vírus. Esse que matava milhares na França, dividia as pessoas no Brasil e que já chegava nos vilarejos mais longínquos da Bolívia.

O plano, mudado de novo, era nora ficar na casa dos pais dela em Lyon, já que o Panamá estava com as fronteiras fechadas, e o filho seguir dirigindo o camper até o Brasil para deixá-lo lá e tentar ir encontrar elas em Lyon. 

A essa altura o fight mode maternal estava ligado no máximo. Eu não conseguia mais dormir direito, acordava as 4 da manhã pensando que filho poderia fazer a loucura de sair sem autorização do hotel e ser preso na Bolívia. E se ele ficasse doente? E se desse um mal súbito e ninguém pudesse acudir? E se fosse assaltado, sequestrado, torturado? E se ele desaparecesse? E se... 

Não sei vocês, mas eu já "matei" o meu filho tantas vezes e de todos os jeitos que essa viagem dele só adicionou mais possibilidades para a minha cabeça dramática de mãe.
Gritei com ele que ele tinha que colocar internet decente no celular dele. Antes estava só no fone da nora, agora ele estava por ele mesmo e eu decidi que dessa lonjura ia ser a navegadora.

Acalmei-o, disse para ter paciência, desenhamos outras estratégias para falar com o embaixador brasileiro e os órgãos de trânsito e polícia locais. Ele tinha feito amizade com o mundo inteiro na região. Como por milagre (todo mundo ainda estava rezando muito) um grupo de ação especial do governo boliviano com um deputado liderando resolveu se hospedar no mesmo hotel que o filho estava. Eles chegaram levando equipes especializadas em saúde para prevenir os internamentos pelo vírus na região. Mais três dias e o deputado conseguiu falar com o ministro das relações internacionais da Bolívia e ter a autorização para filho seguir até a fronteira. 
equipes de saúde chegando em Sucre. E o camper ali.


A vontade era pegar um avião para Sta Cruz de la Sierra para fazer o trajeto de volta junto, só para garantir a companhia. Mas lá fui eu com o mapa no computador em casa, enquanto trabalhava, acompanhá-lo. A autorização estava grudada no vidro da caminhonete e em todas as paradas ele apresentou carta do embaixador e a autorização do ministro. Sem esses papeis ele teria sido preso por contrariar a quarentena boliviana. Íamos conversando, ele mandava fotos, vídeo de gado no meio da estrada. Cansado, ele parou em um posto um pouco antes de chegar em Sta Cruz de la Sierra para comer e dormir. Pedi milhares de vezes para não dirigir à noite e, mesmo com toda vontade de chegar, ele foi responsável o suficiente para descansar. No outro dia, cedinho, de novo seguimos. Ele lá e eu aqui, roendo as unhas e olhando o mapa. Íamos falando. O pneu furou e ele viu à tempo de não estragar a roda. Teve que parar sozinho e arrumar com um kit próprio. Seguiu e chegou na fronteira em Puerto Suárez (Bolívia) e Corumbá (Brasil) ao redor das 15:30. A imigração tinha ido embora por conta da quarentena e como ele tinha que dar saída do veículo precisou dormir ali, na frente da aduana para passar só no outro dia. 

Fiz contato com duas amigas para ajudar na entrada do Brasil se fosse necessário e ajeitar talvez uma estada dele em Campo Grande, se ele chegasse lá em tempo de dormir. Uma estava em São Paulo e outra em Auckland-NZ. Nessas horas eu só agradeço a possibilidade de comunicação com essas mulheres fantásticas. 

No dia seguinte o pessoal da imigração começou a abrir os postos ao redor das 8:30 e disseram que só falariam com ele se ele estivesse de máscara. A solução foi rápida e caseira.
Fralda da Lily virou máscara na fronteira.

Finalmente filho estava no Brasil. E lá foi ele, enlouquecido para chegar. Por umas boas horas não tivemos rede e o coração ficou em suspenso de novo. Quando parou em Miranda para dar uma checada e arrumar os pneus, se comunicou. Pelo trajeto do mapa eu media as distâncias e os próximos lugares possíveis para ele parar. Amiga que morou no MS dizia para peloamordedeus ele não dirigir à noite por causa da quantidade de animais. Eu repassava os conselhos. Com o coração na mão, ainda.
Borracharia em Miranda

Filho acabou chegando em Campo Grande ao redor das 17, dizia que ainda estava claro e queria seguir. Vi no mapa que não haveria lugar decente para parar nas próximas 3 horas e o convenci a parar na frente da casa da amiga que estava na NZ. A família dela, amorosa e acolhedora não teve dúvidas: mantendo distância social o filho conseguiu lavar as roupas, comer direito e se sentiu em casa como nunca. Não é piegas dizer que certas amizades são verdadeiros tesouros.
Seu Vidal, Dona Elvira, Newton e o pão de batata para viagem
Renovado e com roupas limpas, filho seguiu viagem. E eu viajei com ele pelo mapa, avisando que o próximo objetivo era Presidente Prudente. A rede sumiu, mas ele seguiu o caminho correto passando pelo Rio Paraná e com estrada boa, seguiu até o Paraná, passando por Londrina para dormir perto de Telêmaco Borba. 
"Mãe, estou passando um lago enorme. É o Rio Paraná, filho."


Ele estava no estado dele e o ânimo estava renovado. Eu ia relaxando. Parecia que o pior tinha passado. A falta de certeza de como estariam as estradas com quarentena era a maior preocupação, por isso, ali, as coisas se mostravam melhores. Finalmente chegou em Curitiba para tomar café com a vó. Com distância social.
Filho e vó tomando café.

Filho "entregue". Eu descansei parcialmente. Consegui dormir melhor. Mas eu sabia que mesmo tendo muitas coisas para resolver ele estaria bem mesmo quando estivesse com a nora e filha. Era outro desafio que se desenhava. 

Como se não bastasse tudo o que aconteceu, o avô paterno, muito doente, acabou falecendo exatamente nessa semana. Era o segundo ano em que o filho ia para o Brasil e acabava participando do funeral de um avô. Pesado para ele. E o coração aqui que já estava em frangalhos, se espremia mais. 

Minha mãe, que é vó e bisa, dividia essa apreensão. Eu só ouvia ela repetindo:
- Agora entendo minha mãe.

Uma semana e pouco no Brasil, coisas encaminhadas, era hora de seguir para o desafio final: conseguir entrar na França para, enfim, estar com a família reunida. 

A nora agilizou a documentação possível para provar que, mesmo sem ser cidadão francês, ele deveria estar junto com a família.

Ontem ele pousou em Paris, e pelo que contou, o policial da aduana ficou até assustado com a quantidade de cartas da família da nora e documentos apresentados para explicar sua viagem em tempos de quarentena. E depois de passar a noite na capital, hoje ele pegou um trem e finalmente encontrou com os amores da vida dele em Lyon.

Nem preciso dizer que morri de chorar em ver as mãozinhas da neta um pouco apreensivas, abraçando os próprios braços enquanto tentava reconhecer o pai atrás da máscara. Pequenos sorrisinhos apareceram depois de confirmar com a mãe e a avó que estava tudo bem com o pai. 
Depois que assisti o vídeo da chegada e do encontro de todos, recebo uma mensagem:

-  Eaí filha, está mais tranquila agora?

Não tem jeito. Maternidade é a mesma coisa com mãe, avó ou bisavó. Não passa, não acaba. Não alivia. Não ameniza. É eterna.





P.S. Chou em francês é repolho. É um jeito carinhoso de se chamar o bem amado, assim como a gente chama de xuxu ou xuxuzinho. Por isso babychou.

Comentários

  1. Cara Nivea. Foi muito interessante ler esse seu relato, eximiamente redegido, foi com reecontrar pessoas que conheci quase trinta anos, que nunca mais vi. E sobretudo sentir sua angustia, e perceber sua coragem que conheco desde que você tinha 13 anos. Abraços e boa sorte na vida.

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  2. Ah, meu amigo, o mundo gira (até porque ele é redondo não nos esqueçamos, né?) e vamos nos ver de novo, pode acreditar! Olha só no que se transformou o bebê que vc pegou no colo... Vida, né? Um abraço apertado.

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  3. Nivea adoro seus textos. Voce consegue expressar tanta emoçao em cada paragrafo que mesmo nao sendo Mae eu pude sentir toda a sua angústia. Parabéns por ser essa Mae e blogueira incrivel! Bjusss da sua Neighbor Patricia Menjao.

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  4. Ô vizinha, escrevi o comentário antes e se apagou. Morro de vontade de ir te visitar, mas a gente fica nessa vida de trabalho e rotina que não vê muita saída... Tenho muitas saudades e te quero muito feliz! Beijo grande.

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