Que sempre se espreguice livre...

Acordei devagar. Esquisito não ter horário, não ter um plano em marcha para o dia. Espera! Tem, no final, tem: curtir, ou como os panamenhos dirão, desfrutar da Lily.
Fico pensando o que já sei: são raros os momentos de desfrute na vida de uma pessoa adulta.
Virei para o lado e me espreguicei demoradamente. Sem horário, lembra? Me peguei fazendo uns movimentos reaprendidos com Lily. Ela se espreguiça o tempo todo. As costas, os braços, as pernas, os micro pezinhos. Os dedinhos estão se mexendo o tempo inteiro.
Ensaiei alguns movimentos que ela faz. E me peguei pensando quando foi que desaprendi a me espreguiçar assim.

Nos mil artigos sobre-como-ter/manter-uma-boa-saúde já tinha lido que faz muito bem tomar um tempo toda manhã para espreguiçar-se. Dizem que lubrifica as articulações, faz o sangue circular mais livremente e a energia girar. Sim, somos seres com energia e ela é concreta. Lembro disso toda vez que levo choque com a estática no inverno...
Lily não leu os artigos que li sobre como acordar toda a manhã. Lily acorda. E se espreguiça. Instinto, dirão os especialistas. Lily não sabe que existem especialistas.
- Em tudo, Lily. Gente que diz que sabe mais que os outros sobre alguma coisa. São os especialistas.
Não sei se os especialistas podem explicar ou sabem disso, mas imagino que Lily não sabe que existem os especialistas, mas ela também não sabe que ela mesma existe. Ela é. E pronto. Nem ela sabe que é, ela só é.
Lily não tem uma missão determinada para o dia, não tem profissão que a defina, nem papel social, não sabe das regras sociais que dizem que ela não pode ficar de perna aberta. Ela fica de perna aberta e está bem confortável assim.


Lily faz um barulho estrondoso quando faz cocô. Ou quando solta pum. E ela não se importa se tem gente na sala, se vai feder, se vão julgá-la, se vai denunciar o que ela comeu/bebeu na noite anterior, se vão tirar sarro dela. Ela definitivamente não se importa. Ela caga e peida quando quer.
Lily resmunga quando todo mundo está em silêncio. E respira fundo também. E faz outros barulhinhos bem baixinho - porque ela é pequenininha - nos momentos mais inapropriados, como no meio da noite. Pode estar tudo bem, mas esses barulhinhos acordam os preocupados pais dela. E ela faz os barulhinhos do mesmo jeito. Porque ela não sabe que está dormindo, não sabe que tem gente dormindo, não sabe que tem hora para dormir e não sabe que não se faz barulho quando todos estão dormindo. Ela faz barulho e pronto.
Lily chora. Muito raramente, mas chora. Ela não tem ideia do porque chora, mas não segura o choro, não. Ela chora com o que ela tiver de fôlego. Chora sem se importar se vão pensar que ela é fraca, que ela é vulnerável, que ela não dá conta, que ela é sensível, que ela é emotiva, que ela não tem controle, que ela é histérica. Ela chora quando quer.
Lily faz caras e bocas. Ela não sabe que cada cara e expressão que faz significam alguma coisa para os que estão ao redor dela. Ela não tem ideia de que está sorrindo, franzindo a testa ou entortando o nariz. Ela também não se importa se alguém está vendo ela fazer todas essas caras e bocas, não se preocupa com o que vão pensar dela, ou com qual mensagem ela está passando com aquelas caras e bocas. Ela as faz e pronto.
Lily nunca cruza os braços. Ela não sabe cruzar os braços ou se proteger inconscientemente de algo. Ela os abre, imensamente, expansivamente, quando quer. E os larga relaxadamente do lado do corpo, em cima da barriga ou no rosto, sem se importar se vão achar ela relaxada, barraqueira, sem modos, espalhafatosa, espaçosa, escandalosa. Ela simplesmente abre os braços.
 Ela fecha e abre as mãozinhas quando bem entende também. Não se importa se está fazendo algum sinal ofensivo, segurando um gigantesco dedo carente que quer ser percebido ou enfiando os seus dedinhos nos próprios olhos. Lily abre e fecha as mãozinhas sem olhar para os lados para saber se alguém a nota. Ela abre e fecha as mãozinhas quando quer.
Lily encanta a qualquer adulto. Gente se desabalou de diferentes cantos do mundo com um único propósito: ver Lily. E o programa é esse para todos nós: estar com Lily, desfrutar Lily. Uma dança sem planejamento acontece e esses adultos (que dizem que ficam bobos, mas de bobos acho que não têm nada...) se trocam em turnos para ficar olhando para a Lily. E a razão não é porque Lily é adorável, fofa, perfeita, calminha. Lily é livre. Livre. Lily é absolutamente livre porque nas suas três semanas de vida ela É. Só e inteiramente, ela É. Ela não tem planos de futuro, nem tem ideia de um passado. Ela é, no presente mesmo, um presente.
No fundo, Lily faz esse bando de adultos lembrar que um dia foram livres. E que se espreguiçavam demoradamente todas as manhãs.









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