Handkerchief |
Ontem eu tive uma discussão séria com o marido. Ambos sob pressão e os ânimos não estavam os mais diplomáticos. Falava para ele que em tempos incertos é importante proteger a energia da gente. Sei que é "easier said than done" (mais fácil falar...), mas eu estava querendo que ele prestasse um pouco mais de atenção à energia dele, tirando um tempo para meditar ou só imaginar, assim como estou fazendo todas as manhãs.
Grosseiro e na defensiva ele diz:
- se tem que proteger é porque você está vendo perigo em toda a parte. Eu não vejo nenhum perigo ou ameaça.
Tentei explicar que não estava "vendo coisas", mas que era bom pensarmos em ter equilíbrio em tempos como os nossos em que tanto na esfera pessoal quanto global o que só temos são perguntas e instabilidade.
- Então você está se sentindo insegura?
A palavra é um pedido para levantar o tom de voz. Senti o sangue subir, e estava me preparando para um sermão sobre patriarcado e as táticas de esterotipar as mulheres. Eu senti que ia exagerar. Senti que eu ia errar a mão. Ele já tinha levantado o tom de voz um pouco antes e eu tinha me mantindo no meu salto, linda. Não ia despencar agora. Meu pai sempre dizia que "o maior imperador é o imperador de si mesmo" (ele me dizia em latim) e eu estou focada em fazer dessa expressão o meu mantra pra maturidade.
- Sabe, o que eu acho? Que não vai adiantar nada essa conversa. Você está focado em ter razão de qualquer jeito e eu não estou conseguindo me comunicar (tática de terapia: nunca diga que eles não ouvem, diga que você não está conseguindo se comunicar, seja quem for o interlocutor. As garras se abaixam na hora).Vou dormir.
Claro que tive uma noite bosta. Claro que eu estava puta. Mas a beleza dos 40 é que você acolhe o sentimento ruim, conversa com ele e decide onde colocar sua energia. E eu decidi levantar às 5 e ir meditar porque raiva provoca rugas. E, Deus me livre, né?
Eu sei e sinto que estamos todos com os nervos à flor da pele por vários motivos que nem sempre dependem da gente. E sei que é a coisa mais difícil conseguir evitar colocar os pés pelas mãos em situações assim.
Passei o dia pensando o quanto é difícil SENTIR nessa cultura daqui, cheia do individual, racional, focada em resultado e em não mostrar vulnerabilidades. É mais fácil um diagnóstico médico, uma pílula, uma cirurgia, um tratamento químico do que lidar com o trauma, com a coisa lá que machuca e está enterrada dentro do peito.
Tenho uma amiga aqui que está com problemas sérios de saúde. E depois dos mil anos de terapia eu até desconfio que tipo de sentimentos andam a rondando para acabarem com o corpo dela desse jeito. Mas não tenho como explicar. Ela não sabia o que era Reiki. Achou que eu estava mandando ela para a acupuntura porque eu imaginava que podia ser estresse. Não é à toa que os laboratórios ganham rios de dinheiro aqui. Não é só o lobby, é uma cultura de determinar, colocar etiquetas, nomear, padronizar, definir que resolveu e pronto. E assim, não se resolve nada.
Vim para a loja trabalhar. Cansada, com um pouco da ressaca emocional, tentando lidar com as minhas ansiedades, dúvidas e monstros. Estava na dúvida sobre que horas fechar a loja porque a cidade foi se acalmando no final da tarde.
Olhei o Facebook e me chamou a atenção a postagem de uma amiga sobre como deixar os filhos chorarem é parte do processo de aceitação e administração das emoções. Lembrei que nunca pedi pro meu filho parar de chorar. Eu dizia para ele ir ao quarto e lidar com os sentimentos, fosse de raiva ou tristeza, que quando estivesse pronto podíamos conversar.
Fiquei pensando o quanto desconcerta a galera aqui ver você chorando. Não sabem lidar. Não sabem acolher a dor e lidar com ela.
Enquanto eu estava emimesmada (existe essa palavra?) na loja, entrou uma senhora e pediu por lenços. Há uma diferença no vocabulário aqui. Lenço de papel é tissue. Lenço de pano é handkerchief.
Coisa rara nos dias atuais, os lenços de pano, a gente tem aqui na loja.
Falei que tinha, sim, depois de levar um tempo para sair dos meus pensamentos.
Ela ficou super feliz.
Foi lá e pegou dois pacotes com 3 lenços cada e veio super feliz para o caixa.
Enquanto eu lia os códigos de barra, tivemos uma pequena conversa, como sempre acontece.
Ela me diz:
-Sabe, isso vai fazer uma grande diferença hoje.
- Sério? Que bom, fico feliz.
- Sim, quando minha mãe faleceu, uma das minhas amigas me mandou um lenço desses dizendo: você tem permissão para fazer o luto. E sabe, aquilo foi um aviso concreto de que eu podia sentir, eu tinha o direito de estar triste, de chorar, porque você nunca sabe quando aquele sentimento te pega, né...
- Ah, sei sim, eu perdi meu pai em abril e entendo perfeitamente.
- Então agora, quando sei que alguém está de luto (grieving, é uma ação em inglês, como se você estivesse "lutoando", o mesmo que estar sofrendo a perda de alguém), eu entrego um lenço para eles e digo que eles têm o direito de sofrer.
- Que bonito isso! Que afetivo!, respondi impressionada com a gentileza da senhora.
Fiquei pensando em como, numa cultura racional assim, esses tipos de "carinhos" são tão importantes.
- Que cor você mais gosta, ela pergunta enquanto eu virava para pegar o cartão dela da máquina. Respondo de costas:
-ah, gosto de todas, mas estou numa fase de lilás...
Quando virei novamente pro balcão, ela tinha aberto um dos pacotes e tirado o lenço lilás dali de dentro e me oferecia.
- Toma. Você tem o direito de chorar, viu?
Apertou a minha mão, disse que eu ia ficar bem e foi embora.
Chorei, né.
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