Foi no ano passado. Eu estava determinada a ir para Nova Iorque, depois do congresso da IAMCR no Oregon, para assistir o U2. Mexi pauzinhos, fiz os cálculos e a vida, essa gargalhenta louca, fez a parte dela. Resumindo, nos juntamos de três lugares diferentes eu, marido e filho. Eu, voltando do congresso, marido indo pra encontrar, e filho a trabalho. Todo mundo pra ver U2. Não podia pedir por mais bençãos.
Louca viagem, que me deu o show, um jantar memorável com a minha mini-família, uma manhã nos estúdios da Fox News (como o marido disse, eu estava na barriga da besta, bleh) e um livro. Sim, mais um.
Ficamos num hostel absolutamente doido. Paredes pintadas com milhares de desenhos. Tinha uma árvore com uma cobra pendurada no teto, em cima da cama - e um livro da Simone de Beauvoir na cabeceira.
Parecia que foi deixado ali para eu ler. Algo que o anjo da guarda diz: ela precisa ler esse, vou "sem querer", largar ali.
Pedi permissão para o pessoal do hostel para levar comigo e como acontece em todo hostel a resposta foi: go for it.
Pois bem, mais de ano depois eu terminei de ler esse sofrimento. A pessoa aqui não gosta de deixar livro algum sem ler. Se começo, acabo. Mas gente do meu céu: nunca me arrastei tanto para ler algo. Claro que primeiro tinha a questã da língua: foi escrito em francês e traduzido pro inglês. Uma latina lendo tradução pra uma língua algo-saxã não é lá muito prazeroso, mas como era o que tinha, transformemos em aprendizado.
Foi ali que topei com o termo Shrew e descobri que inglês também tem todos os machismos que colecionamos nas línguas latinas.
Mas o pior foi realmente repassar a história de três mulheres literariamente se despedaçando. Não, elas não se cortaram de verdade, mas as estórias dessas mulheres fictícias que tinham em torno de 40 a 50 anos são tão reais que me trouxeram arrepios e uma dificuldade imensa de continuar a ler. Que sofrimento sem fim!
E já admito: estamos em uma época não muito feliz para mulheres visto toda a reviravolta conservadora mundial que insiste em controlar nossos corpos e mentes. Claro que, face a isso tudo, estou para lá de sensível. Então eu gatinhei, me arrastei, me empurrei para terminar esse livro. Cada página trazia uma pontada diferente, primeiro porque eu sofria por empatia, segundo porque me vi em algumas das cenas (passado, que deixe-se claro) e terceiro porque dava para sentir a pulsação dessas mulheres com a narrativa detalhada das suas crises interiores. Me peguei até conversando com a terceira personagem, dizendo um gigantesco: manda tudo se foder!!
A grande questão que remôo agora é: que diacho meu anjo queria me dizer deixando esse livro ali, ao meu léu, se oferecendo para mim?
Como otimista inveterada que sou, vou escolher entender que essas caminhadas que finalmente terminei de ler não fazem e nem farão pate da minha vida. Que aprendi. Que alguns acontecimentos fizeram parte do passado e que uma mulher cheia das ilusões e esperança mora em mim e vai continuar assim até ter que dançar com meu andador aos noventa e lá vai bolinha na vila de maioridade em que vou morar. Quem sabe dizer, não é? Eu digo: eu sei, porque sou eu que decido. :)
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