Hay que endurecer... pero y la ternura?


O pinheiro endurecido pelo gelo.


Mil teorias e um bom par de dados empíricos dão conta do efeito do facebook em nossas vidas. É espião, controla o que a gente vê de acontecimento, de quem temos notícias, filtra informações e vaza outras. Mau, muito mau.

Tenho muitos conhecidos e amigos que estão fora desta rede social. E eu pensei inúmeras vezes em sair também. Mas viver nessa ilha isolada dos meus e de tantos centros de conhecimento me faz ainda perseverar na comunidade virtual, se é que pode-se chamar de comunidade... Eu sempre quis ser ponte, e facebook me ajuda a colocar em contato um monte de gente e de saber dessas pessoas, mandando apoio, "estando ali", mesmo estando tão longe.

Mas o facebook com os seus algoritmos acabou abrindo uma Caixa de Pandora tão dolorida nos últimos anos que preciso digerir escrevendo. Na verdade, essa plataforma virou um espelho de quem eu me tornei. E, ultimamente, principalmente com o mecanismo das memórias, tive que dar de cara com um ser que foi se transformando nos anos e... endurecendo.

Era uma das minhas características mais caras resistir bravamente a qualquer tropeço da vida que me fizesse agir como velha. Velha de pensamento, descrente do mundo, amarga, fria, dura. Desde ainda adolescente eu que prometia que ia ser mais leve, nunca passei por teste mais doloroso a essa minha promessa do que nos últimos anos.

Lembro de uma vez que meu primo brigou com o pai dele, meu tio, e eu recém-casada, no alto dos meus 17 anos, disse que ele poderia ficar na minha casa. Meu marido na época surtou. Saiu esbravejando pelos cômodos como irresponsável eu fui e bla bla bla. Aos 18 anos, ele já tinha sido mordido pela seriedade adulta. E eu comemorava que tinha a liberdade dos adultos e poderia agir como eu bem quisesse, principalmente contra as regras que diziam que tínhamos que ser sisudos e responsáveis, e chatos. Eu não queria endurecer. Era isso. A vida tinha que ser dançada, é tão linda! Criei o filho de maneira responsável mas não fui rígida. Fui a professora que se vestia de tênis e jeans porque era um jeito de me aproximar dos alunos. Dancei. E tentei, dentro da minha cobrança de ser sempre melhor, ser leve também.

Até 2014. E o facebook está aí para provar e me jogar na cara com as tais memórias. Como eu era fofa, antes! Quase infantil com meus comentários dividindo coisas leves e sem importância do dia a dia.
A partir de 2014 eu comecei a endurecer. Eu ainda estou tentando buscar exatamente quando foi que isso aconteceu, mas 2014, a eleição da Dilma e todo o ranço machista, mal-informado, classista, invejoso e de dor-de cotovelo foi me separando de um monte de gente que eu considerava amiga. Eu tenho a sensação que uma venda estava caindo dos meus olhos. Ou o pouco de tolerância que eu tinha se esvaiu.

Lembro que a primeira vez que desfiz uma amizade no facebook e por consequência na vida real, foi porque não dava para relativizar mais certos comportamentos, escolhas e crenças. Alguém que acredita que o mais importante para uma presidenta era falar bonito e que as meninas precisam de uma escola de princesa não tinha condições de passar desapaercebido na minha vida. Eu não poderia mais em festas e outros encontros acenar e sorrir. Não dá. Não consigo. Ao mesmo tempo que sempre fui a questionadora da paróquia perguntando o motivo de tudo ser assim em vez só de ir fazendo o que os outros fazem, era impossível para mim fingir que estava tudo bem quando não estava não.
E a coisa só piorou com o tempo. Eu piorei. Piorei e muito. Dilma foi impeachmada com discursos que davam ânsia de vômitos feitos por gente mais suja do que pau de galinheiro.
Era como se eu tivesse tomado a pílula vermelha. E não dava mais para regurgitar, cuspir. Certas questões eram incompatíveis.

Afastei-me dos colegas do grupo de jovens. Há tempos não via mais nenhum vínculo nessas vidas adultizadas e ensaiadas de palco. Essas em que a gente medica quem não se encaixa. A mulher não se encaixa - está doente. A filha não se encaixa, toma remedinho para se adaptar.
Cotninuei com os párias. E lá se foi a leveza. Num tem mais.
Veio eleições de novo ano passado e eu dirigi furiosamente para votar a 5 horas da minha casa. Discuti fervorosamente com meio mundo. E acabei com mais um punhado de amizades.

As amizades eram com um tipo específico de gente que realmente não me faz a mínima falta. Gente que não entende que uma mulher morre a cada dia em casa pelas mãos do seu parceiro, que nesse momento uma menina ou um menino, menor, está sendo estuprado por um familiar. Gente que facilmente esquece o que um negro tem que passar a vida toda para continuar vivo. Que aquela gorda sofre horrivelmente toda a vez que alguém faz uma piada. Que o menino com Down tem todo o direito de qualquer outro na escola e na vida, que os animais são nossa responsabilidade e que dependem de nós, que o rio não vai se regenerar amanhã depois daquele lamaçal químico. Gente que acha que tem o direito de curar quem não precisa de cura alguma, só precisa ter a liberdade de viver como todo mundo. Gente que entende ciência como opinião e que desdenha o conhecimento mas espalha piadas de mal gosto e crueis sem se colocar no lugar daquele ser humano. Gente que alugou caminhão de som para tripudiar do presidente preso. Gente que comemorou a morte de outros.

Minha vida é muito boa, muito confortável e eu não tenho direito nenhum de reclamar. Consigo ainda ver poesia na caminhada que faço com a cã todos os dias. Mas, ao mesmo tempo, sinto em mim cada uma dessas vidas sofridas como se de mim fosse feito um vudu que sente o que os outros sentem. Já sabia que não se é feliz sozinho. Que nossa energia não é separada da do resto do mundo e que boa parte da depressão que tantos sofrem tem a ver com uma Terra que pede ajuda. Mas a cegueira de tantos machuca muito, irrita e endurece. E eu endureci. Não me fazem falta alguma essas pessoas que destilaram e continuam destilando ódio. É como se de repente um grupo tivesse tomado a pílula azul e outro grupo tomou a vermelha e essa galera não se mistura mais. E não sou só eu. Quem me dera que eu fosse a única a endurecer assim. Tive muitas amigas saindo do facebook porque não suportaram gente desejando o mal aos seus. De graça. Só pela posição desses de luta por um ideal. Teve gente que se desligou do meu perfil porque me posicionei, porque fui política demais. Tem gente destilando ódio de graça. Tem exilados do meu país por causa desse ódio, porque tentaram brigar por outros.

E foi o facebook que mostrou que, aos poucos, eu deixei de ter leveza. Virei gente grande. Como se tivesse visto a guerra. E endureci. Tanto que não consigo assistir determinados programas na TV, não pago para ver filme de abusador, não dou ibope para produções machistas e não consigo ver produções que mostram a que ponto ainda podemos chegar se tudo for indo por esse lado.

Eu vejo também a resistência e ela é linda. Mas vejo também que ainda está recuperando o fôlego, se reerguendo de um jeito desorganizado, se questionando o tempo todo.

Há duas formas de se explicar isso tudo que estamos passando e que me dão um certo alento. A primeira veio do marido, que vendo o meu sofrimento, tentou apontar a explicação do zodíaco, que reza que estamos chegando na Era de Aquário que determina mais comunicação rápida, uma visão de futuro e a negação de autoritarismos e fronteiras. A de Peixes, passada, determinava disputas pelo poder e a guerra como instrumento de conquista, além do atrito entre a fé e a ciência. Alguns astrólogos fazem as contas de que a Era de Aquário vai ser efetiva a partir do ano de 2150, mas mesmo astrólogos não ousam dar uma data certa. Como as Eras mudam a cada 2 mil cento e poucos anos, estamos no finalzinho de uma e começo de outra e é por isso que todo o tipo de dominação  - olha o fascismo aí, gente - está aparecendo com toda a força. É como se fosse o último respiro desse jeito de ver o mundo. É claro que se tem que acreditar ou não, mas parece que tem uma certa lógica. Só ver a dúvida à ciência, a volta da religião no poder e a divisão tão extrema das nossas diferenças. Se essa for a razão para tudo isso e logo vamos enxergar a besteira que estamos fazendo, até consigo respirar.
Outra explicação é de que se combate o fascismo só com ele no poder. Enquanto ele é uma ideia é invencível. Essa foi uma razão espalhada por conhecidos de gente que o vivenciou na Itália, mas não consegui checar a fonte original.

Em tempos como esses, leveza é um luxo.
Não tenho conseguido partilhar as coisas lindas, por mais que saiba que é preciso, porque fico pensando que enquanto eu estou aqui tirando foto da árvore que tem um formato diferente, tem gente passando fome, tem gente sendo injustiçada e pior, tem gente em gabinetes fechados planejando aprovar reformas que vão matar muitos de fome e de desespero.

Muitas vezes eu desejei a alienação, como aqueles que sempre repetem que a ignorância é uma benção nessas horas.
Mas não tem jeito.
Endureci.
Mas preciso procurar a ternura. E ela é urgente.


Para saber mais: http://vanessatuleski.com.br/v2/era-de-aquario/
https://twitter.com/mdenser/status/1057310399610150913

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