O dia mais escuro do ano





As quatro da tarde o sol já tinha se posto. São oito e meia agora e eu sinto que já deveria estar dormindo. Quem há alguns meses acordava as cinco da manhã e produzia até as dez da noite sem muito problema, dorme até as oito agora sem dificuldade.
Essa vida sazonal ainda me causa estranhamento. Não é só sazonal das estações, mas do trabalho, da cidade, dos ritmos. Parece que aqui as mudanças entre inverno e verão são mais radicais. Estar mais perto da natureza com a força da sua transformação reforça isso tudo. E não adianta brigar contra. As folhas caem, a energia diminui, cansa-se mais fácil. E a dor de cabeça anda mais forte quando prevê tempestades de neve. Antes eram chuvas. De chuvitiba. Quando as nuvens negras se assomavam no céu da capital paranaense era batata: um peso na nuca e dor na fronte. Chovia e parecia que aquele elefante tinha saído de cima da cabeça para sempre.
Aqui o aviso no horizonte nem sempre é tão claro. Porque a massa branca vem de vários lados e nem sempre ela traz nuvens carregadas. E o alívio também não é instantâneo, vai embora de leve.
Mas é aqui que eu consigo reconectar. No início foi estranho obedecer à natureza. Quem faz isso hoje? A comunidade aqui faz. Mais do que nas grandes cidades.
Não como faziam os nativos, mas mais próximo do que as grandes cidades  - que já se perderam. É tempo de contar estórias, de respeitar os espíritos que caminham no escuro, de fazer reverência à mãe terra que está grávida de vida. Ela precisa descansar e gestar. Devemos fazer o mesmo. Planejar, gestar, ruminar.
O recolhimento começou em outubro. O vento frio, a mudança nas cores para o predominante dourado avisavam do cinza-branco-breu que viria.Cinza das árvores guardando energia sem folha alguma, só esqueletos ainda tentando alcançar o céu. Branco da neve, que vem com pequenos flocos de inofensivos gelinhos e acaba cobrindo tudo, escondendo tudo, suplantando tudo. E o breu das quatro da tarde, quando deveria estar chegando às nove. Esse que pede recolhimento em casa, mas mais importante, na gente, dentro do peito.
Amanhã vai ser o dia mais escuro do ano. Mais tempo com o breu. Solstício de inverno por aqui. Mas será mágico por que logo no dia seguinte teremos lua cheia que vem para mostrar que nem o mais longo dos breus consegue apagar a luz. Nem que seja só o reflexo dela. E, aos poucos, a luz vai voltar.

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