Um dos objetivos dessa viagem era poder nadar no mesmo dia
no oceano Atlântico e no Pacífico. Hoje foi o dia que escolhemos para fazer
isso. O amigo português do filho iria com a família para uma outra ilha no Caribe, uma
que poderia ser alcançada sem as mil curvas que levam a San Blas. Todo mundo
concordou. O caminho era Colón – que pode ser considerada a maior cidade do
lado do Caribe – e depois Portobelo (igual a Porto Belo de Santa Catarina,
inclusive oferecendo cursos de mergulho). De lá, seguimos em direção a Isla
Mamey, um punhadinho de terra privado, que cobra 2 dólares por pessoa para usarmos
o banheiro e a grama e a areia local.
A estrada que leva da Cidade de Panamá para Colón é bem boa,
feita de concreto, o que me disseram que dá menos manutenção do que o pavimento
de piche. Pista dupla, bem sinalizada, em dia de feriado, tem uns “policiais”
feitos de papelão em posição de radar para assustar os apressadinhos. Não
aconteceu uma foto por motivos óbvios: estávamos rápido e acostamento não é bem
uma opção.
Depois de passar a área metropolitana de Colón (que em dia
de feriado é uma loucura que se aproxima do litoral do Paraná em Ano Novo), a
coisa fica um pouco mais complicada. O trânsito aqui não é fácil. Pessoal para
no meio da rua mesmo. Tipo: quero ver ali do lado e vou parar. Dane-se quem vem
atrás. Todo mundo para e espera a formosura se decidir. Pisca também é luxo.
Raramente alguém usa. Por outro lado, quando se liga o alerta, o motorista pode
dançar uma rumba, dar a ré, fazer meia volta ou, ainda, escolher ir na contra-mão que
está tudo bem. Alerta ligado é salvo-conduto para fazer qualquer merda no
trânsito. Qualquer.
Passando de Portobelo seguimos uma estradinha de chão
curtinha que desembocou em um “hotel”/ estacionamento. O sol não estava para
brincadeira às 10 da manhã. No caminho encontramos a trupe portuguesa,
carinhosíssima, que estacionou no mesmo lugar. Foram cinco dólares por carro. E
o barco para a Isla Mamey foi seis dólares por pessoa, ida e volta, pagando
sempre na volta. O trajeto de barco é de cinco a dez minutos e a gente chega em
uma praia pedregosa e também transparente, mais verde escura, mas ainda
absolutamente morna e translúcida. Em Mamey ficamos até o momento que o limite
de ouvir reggaeton dos farofeiros
vizinhos foi alcançado. Pegamos o barco de volta e começamos a saga para seguir
para o pacífico. Almoçamos no El Castillo, restaurante muito bom, beira-mar,
com temática de piratas, coisa bem comum na história do Caribe, pelo que vemos.
Ali há um barco virado, sendo comido pelo tempo e pela maresia. Bem poético.
Foram mais de 70 km para voltar, passando por um pedaço da Cidade do Panamá e indo para o lado direito (de quem está vindo do atlântico
para o Pacífico). A ideia era alcançar a praia de Vera Cruz, já que o mapa
mostrava ser a mais adequada e mais perto da CP para finalizarmos nosso
projeto. Mas é aí que a aventura começa. Depois de passar da capital e seguir
em direção à Vera Cruz (foram 1h30 para voltar para o lado Pacífico), a gente
se deparou com a via principal fechada pelas festividades do feriado. E grande
policiamento, inclusive lendo cada uma das licenças eletronicamente. Fomos
parados uma vez para a checagem da licença do filho motorista e uma segunda vez
em que o policial olhou para cada um dentro do carro e perguntou:
- Todos estrangeiros nesse carro, então?, e olhou para mim,
no banco de trás.
Respondi: - sim, todos.
- Mas todos com documentos?
- Sim, todos. E fiz menção de pegar a mochila atrás.
- Pode seguir.
Viramos à direita, e preciso lembrar que eu era a única
mulher no carro, o que significava não pedir informação alguma para os
passantes, mesmo sob meus protestos. Entramos numas ruelas muito estreitas, de
barro, com poças de água, passamos por uma pinguela que cortava o esgoto a céu
aberto que eu jurava que não aguentaria o carro, vimos pessoas de todos os
tipos, cores e vestidos passando colados no carro e rindo e bebendo e chegamos
a uma rua sem saída. Sim, o Waze nem sempre tem a solução pra tudo. Aí insisti:
- vamos perguntar para aquela policial mulher, por favor!! Perguntamos. Ela nos
enviou para uma rua que desviava daquela festa toda e seguia em frente como o
mapa dizia. Acontece que a comunidade de Vera Cruz não deve curtir praia do
jeito a que estamos acostumados. As casas na beira mar fecham qualquer forma de
conexão da estrada para a praia. Mais, a maré alta e baixa é tão absolutamente
destoante, que você precisa andar milênios para chegar na água. Que é bem suja.
Muito suja. Marrom. Tem plástico para todos os lados. Mesmo estacionando em
frente a uma dessas casas e pegando a vielinha que levava a praia, a gente não
teve coragem de se jogar ali. Ficou todo mundo com uma cara de frustrado
máster. E mesmo cansados, mesmo com fome, todo mundo queria resolver a pendenga.
Então decidimos que iríamos viajar mais uma meia hora para achar a tal da praia
da Carola. Mas isso significava passar pela comunidade que estava com as ruas
interrompidas com gente por todos os cantos. Precisávamos voltar. Voltamos pela multidão, no
vácuo de uma camioneta da Polícia local. Filho queria fazer o desvio de sempre
e eu falei para seguir o fluxo da Polícia, que parou, a passamos e entramos
naquele mar de gente por todos os lados. Juro que nunca vi uma festa de
independência tão de perto. A van a frente da gente ia abrindo caminho em câmera lenta e as pessoas da multidão iam
esbarrando no carro. Acho que foi a primeira vez que senti um sinal de síndrome
do pânico. Mas eu percebi vindo. Daí respirei, pedi para fechar as janelas e
ligar o ar condicionado e me acalmei. Saímos dali e fomos voltando para a
estrada principal quando vimos que a Praia de Venao estava do lado direito. Vimos
areia. Decidimos que íamos terminar o projeto ali. Jogamos o gringo, o vô, o
filho e o mano na água. Eu tirei fota de todo mundo. A água estava marrom,
ainda. Mas era de areia, acho. Mano e filho pegaram cervejas no carro. Todo
mundo finalmente feliz depois da aventura.
Até que o filho avistou o stand up paddle. Virou pra mim e perguntou: -
vamos? Respondi que sim.
Era o dia de fazer as coisas que queríamos. Esse era o outro objetivo. Ele devolveu a cerveja pro gringo tomar e fomos. Pegamos as pranchas, o menino deu as instruções – porque ele não sabia que o filho sabia - e botamos as duas na água. Primeiro de joelhos. Fodeu. Juntou ali o medo de cair na água onde não dá pé, o enjôo de estar em barco e a obrigação de remar. Fodeu. Foi um misto de emoções e uma forte vontade de me manter no controle de todas. Fui remando e girando. Fomos mais pro fundo. Concentrei. Deu um pavor mortal. Perna já estava doendo mesmo de joelhos. Não ia cair ali, de jeito nenhum. Respirei e concentrei nas remadas. Nisso, sirene de polícia lá ao longe, do lado da família. “Pronto, se meteram em confusão”. Um policial acena para nós na água para que saíssemos. Vai eu tentar domar aquela prancha para tomar a direção certa e voltar. Gritei pro filho que o policial pediu para sairmos da água. Eu tinha certeza que o gringo, o pai e o mano tinham se metido em confusão e o cara foi buscar a gente. Quando saímos da água:
Era o dia de fazer as coisas que queríamos. Esse era o outro objetivo. Ele devolveu a cerveja pro gringo tomar e fomos. Pegamos as pranchas, o menino deu as instruções – porque ele não sabia que o filho sabia - e botamos as duas na água. Primeiro de joelhos. Fodeu. Juntou ali o medo de cair na água onde não dá pé, o enjôo de estar em barco e a obrigação de remar. Fodeu. Foi um misto de emoções e uma forte vontade de me manter no controle de todas. Fui remando e girando. Fomos mais pro fundo. Concentrei. Deu um pavor mortal. Perna já estava doendo mesmo de joelhos. Não ia cair ali, de jeito nenhum. Respirei e concentrei nas remadas. Nisso, sirene de polícia lá ao longe, do lado da família. “Pronto, se meteram em confusão”. Um policial acena para nós na água para que saíssemos. Vai eu tentar domar aquela prancha para tomar a direção certa e voltar. Gritei pro filho que o policial pediu para sairmos da água. Eu tinha certeza que o gringo, o pai e o mano tinham se metido em confusão e o cara foi buscar a gente. Quando saímos da água:
- Que pasa, senhor?
- Tienes que salir a las cinco de la playa.
- Salir?
- Si, todos.
- Ok, gracias.
Devolvemos as pranchas, dissemos que ficamos só 10 minutos
por causa do recolhimento, o moço acabou nem cobrando-nos pelo aluguel do
equipamento. Minhas pernas estavam bambas pelo esforço e pelo cagaço, mas
fiquei feliz de ter feito. A gente precisa enfrentar os medos, sempre.
Voltamos e encontramos mais dois policiais pela praia.
Disseram que era para não estarmos lá de uma maneira educadíssima. Afirmamos
que sabíamos e que estávamos voltando para o carro. Ele agradeceu. No encontro
com os outros descobrimos que era proibido usar bebidas alcoólicas naquela
praia e que ela “fechava” às cinco da tarde. As novas informações forma
adquiridas no momento em que o mano buscava a segunda cerveja. Havia um cartaz com as regras que, claro, não
lemos porque estacionamos antes dele.
Embarcamos. No caminho de volta, sem cerimônia alguma,
encontramos outra parada com policiais. Femininas. Filho motorista prepara o
documento, aventamos que deveria ser um controle de quem está na praia e tals,
e quando o carro para a policial sorridente aponta um aparelhinho para o filho e pede
que ele assopre. Sem preparação, nem aviso. Filho assopra. Ela lê, sorri e diz
que está tudo bem, podemos seguir. Não sei quem ficou mais branco no carro. E
rememorando, descobrimos que o stand up paddle fez com que o filho tomasse só
um gole da cerveja e desse o restante para o gringo. Se ele tivesse tomado
toda, estávamos com sérios problemas.
Chegamos em casa exaustos, com a descoberta de que o Panamá
é bem policiado em dias de festa. Pelo menos nesses dias, tudo é muito efetivo.
Até demais.
Barco para ilha Mamey |
Ilha Mamey |
Forte em ruínas na volta para o lado Pacífico |
Barquinho virado no restaurante El Castillo |
Lixo, muito lixo jogado em qualquer chão, em todos os lugares. |
Um diabo Rojo do carro. |
Nós no pacífico sujo. |
Concha sem pérola |
Gringo cumprindo com o objetivo de nadar em dois oceanos no mesmo dia |
Cena de contrastes como toda a América Latina |
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