Há um tempo atrás o
Kennedy me adicionou no facebook. Não conheço o Kennedy. Nunca falei com ele.
Mas descobri, rápido, que temos um vínculo. Graças a competência dele em se
comunicar. Cido veio um pouco depois e Vanessa, essa semana.
Mil discussões sobre
redes sociais por aí e criei um código muito particular para tratar esse
ambiente.
Sou professora
universitária e pesquisadora. Meu ambiente de trabalho, para algumas pessoas,
exige determinado código de conduta. Ao meu ver, uso o dito por Claudio Abramo:
a ética do jornalista deve ser a mesma do marceneiro. Assim a professora é a
mesma pessoa que vai beber no bar, que viaja ou que dança salsa. Por isso não
mantenho dois perfis de rede social, mas respeito as razões de quem tem.
Com esse primeiro
código, de ter somente um perfil, eu tomo bastante cuidado em quem vou
adicionar como amigo. Mantenho na minha rede todo mundo por quem nutro atenção,
carinho, respeito, pelo que são. Ali estão também muitas das pessoas que amo. E
tiro da minha rede muitas pessoas que pelas quais tenho respeito, mas que com as quais possuo diferenças gritantes nas formas de ver o mundo, e que sei que com as
minhas opiniões posso machucar. Sim, escolho. Talvez tenha construído uma bolha
rosa para mim. Sim, me protejo de algumas discussões sem sentido.
Outro código “de
procedimento” que mantive foi de só adicionar alunos que tiveram aulas comigo.
Porque eles conhecem o tom do meu discurso e saberiam que me expresso de uma determinada
forma na rede. Dessa forma, muito aluno que só me conheceu de corredor e que
tentou me adicionar acabou por não fazer parte da minha timeline. Nada pessoal,
mas não conheço, não partilhamos nenhum momento a não ser um bom dia ou boa
tarde. Assim, não vejo sentido em partilhar o que penso.
Mas aí veio o Kennedy
(e o Cido e a Vanessa). Na verdade, antes deles veio a educação à distância
que, assim como a internet, propiciou que espaço e tempo para uma aula sejam
relativizados. Nesse modelo de educação, professor e aluno não partilham da
mesma sala e do mesmo horário para que haja troca de conhecimento. É a terceira
ou quarta vez que me vejo ensinando sem estar, efetivamente, em ação no agora.
Essa ação ocorreu para mim no passado, a partir de uma comunicação que preparei
há mais de um ano, e que é presente para muitos alunos agora. Sei que isso é
capaz de dar um nó nas nossas tradicionais formas de ver os processos, mas há
muito tempo é a realidade em muitas instituições.
Kennedy mora em São
Luís do Maranhão, uma cidade que não conheço mas sei que é linda e morro de
vontade de visitar. Cido mora em Cupira, PE e Vanessa em Ibirubá, no RS. Eu
estou a uns bons milhares de quilômetros deles, vivendo no nordeste dos EUA. Eles
talvez nem saibam disso. Mas, hoje, estão tendo aulas comigo. Estão
acompanhando vídeos e lendo os materiais que preparei anteriormente. Não estou
ensinando agora. Eles estão aprendendo agora.
Quando a Educação à
distância se tornou uma realidade eu ouvi de tudo. Que ia ser o fim da educação,
que os professores não teriam mais trabalho, que tudo ia ficar mecânico, que
íriamos tratar os alunos como clientes. Ouvi também o outro lado: que seria a
nona maravilha da terra, que poderíamos levar conhecimento aos confins do
mundo, que quem se adaptasse estaria acostumado às mais modernas tecnologias
usadas nas grandes universidades do mundo.
Eu, pra variar, fiquei
no meio. Concordo que a educação à distância ajuda a aproximar grandes centros
educacionais de remotos lugares levando o mesmo conteúdo para ambos. Também
acho fantástico que gente que não tenha oportunidade de frequentar as torres de
marfim no tempo e frequência tradicional possa, por meio da tecnologia,
alcançar o estudo e a graduação tão desejada.
Por outro lado, a
educação à distância deixa muito pouca margem para o relacionamento entre
professor e aluno. Aquela troca que a gente faz no final das aulas, ou ainda no
feedback de um material ou na discussão de algo que não está planejado no
conteúdo e apareceu de repente, não existe ou é entrecortada por outras pessoas
nesse modelo. Para as dúvidas, temos os monitores, para as correções de
trabalhos, outros tutores. Temos um professor no vídeo, outro no texto e outro
em sala ou no pólo. Esse conteúdo chega por meio de diversas faces para o aluno.
E enquanto algumas aulas à distância ao vivo ainda provocam um pouco dessa
troca aluno-professor, as gravadas ou atemporais, deixam essa relação
desparipasso.
Mas o ser humano
encontra jeitos de acostumar-se com essas formas diferentes de relacionamento.
Kennedy, Cido e Vanessa encontraram. Assim como vários outros colegas deles,
eles me encontraram no facebook. Só houve uma diferença sutil entre eles e os,
em torno, de 15 outros alunos que tentaram me adicionar anteriormente. Eles se
apresentaram. Porque imagino que intuitivamente entenderam que estávamos com
espaço e tempo não simultâneos e precisavam usar da comunicação para fazer as
pontes, as relações. Ou ainda entenderam que não consigo dar conta do número de
pessoas que deve estar assistindo essas aulas atualmente. E foi assim que
Kennedy, Cido e Vanessa entraram para a minha timeline essa manhã. Eles foram nas
mensagens in box e disseram: olá, sou seu aluno no curso de jornalismo.
Eu sempre fiquei
pensando o que as pessoas que simplesmente me adicionam no facebook pensam. Eu
queria dizer para cada um que sem uma apresentação, sem nunca ter conversado ou
ainda saber o vínculo para estar sendo adicionada à vida virtual social de
alguém ia ser muito difícil aceitar a “amizade”.
As razões que
determinam as maneiras como alguém vê a rede social podem ser excelentes
problemas de pesquisa. Há quem não veja facebook como extensão da sua vida. Há
quem ache que tudo é auto-explicativo ali. Há quem ache que fazer coleção de
conhecidos, de nomes na TL, é determinante. Escolhas, claro.
Mas confesso, eu
realmente estava esperando alguém que entende dos meandros da comunicação, assim,
naturalmente. Alguém que saiba que ela não é automática, mas pode ser
intuitiva. Ela não é fácil, depende de se colocar no lugar do outro.
Comunicação é, na verdade, metade intuição metade empatia.
E é assim que esses
três indivíduos, de super diferentes rincões do Brasil agora fazem parte da
minha timeline. Eu nunca os vi, nunca “falei” com eles. Mas temos toda a
possibilidade de trocar informações e experiências daqui pra frente. Estou bem
curiosa para saber como Kennedy, Cido e Vanessa entendem o mundo e como esse
conteúdo vai ajudá-los a chegar onde planejam. Eles acordaram
a professora em mim.
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