Eu nunca quis acreditar naquelas
frases prontas que diziam que quando mais velhos a gente passaria a entender os
pais e suas requisições. Achava tão pobre e superficial simplesmente dizer que
os pais teriam razão sempre - pombas, são humanos! - e que a gente daria essa
razão para eles após certo tempo.
Então. Está acontecendo. De novo.
Ontem foi dia dos avós no Brasil e eu me peguei pensando quantas vezes
em qualquer desafio que a vida me colocou eu ouvi a voz dos meus avós com um
conselho. Na época não entendia, mas como fazem sentido hoje. Meu pai sempre
foi outro que tinha - e tem - grandes expressões, e as repetia. E elas ecoam
até hoje na minha cabeça. A mais constante delas era sobre o aprendizado das
línguas. Ele dizia: "aproveita que você é nova e aprende tudo que
puder". Eu sei que isso é uma faca de dois gumes quando se trata de
discutir livre-arbítrio dos filhos, mas eu desejo hoje que ele tivesse me
enfiado em uns três cursos de línguas na época. Sem chance de eu reclamar ou
escolher. Eu poderia até ficar muito revoltada, mas hoje entenderia com toda a
clareza necessária o que ele fez.
Na verdade, eu percebi que ele tinha razão muito cedo. E coloquei isso
como objetivo para o meu filho. Juntei os trocados, vendi o carro e mandei ele
para fora do país. Ele ia aprender na marra uma das línguas mais faladas do
mundo. A segunda, ele foi atrás por ele mesmo e hoje fico feliz de ver que ele
trabalha e se vira muito bem em inglês e espanhol. Não posso falar o mesmo de
mim. O inglês foi algo extra-escolar somente depois dos 18 anos... E o espanhol
devo ter tido um ano de preparação antes de ir para os 5 meses de
doutorado-sanduíche na Espanha. Resumindo: em nenhuma das duas línguas eu posso
dizer que nado de braçada. Aí encontro um gringo, tento explicar para ele até
desenhando que eu era chave de cadeia e... claro, não fui feliz na comunicação.
Acabamos casando e o inglês misturado com o português virou a língua oficial da
minha casa.
O que tenho hoje é um conjunto de quebra-galhos para sobrevivência. O
que me frustra muito, porque tem tanto o que ler e aprender em ambas as línguas
e em outras (italiano di mio cuore!). Mas é claro que esse aprendizado contínuo
traz um bando de gafes juntas. As últimas foram numa mistura bem bagunçada de
português, inglês espanhol na viagem para a Colômbia.
A primeira gafe foi uma lição super
comum, aquela de que nunca se diz "dessa água não beberei". Congresso
internacional de comunicação na Colômbia e a indicação era de que seria
bilíngue. Pensei: sobrevivo. O problema é que dependendo do público, deveria-se
falar em espanhol ou inglês e a apresentação escrita deveria ser na língua
oposta. Como a apresentação da pesquisa era no último dia, deu para perceber
que teríamos mais hispano hablantes. Então falaríamos em espanhol e a apresentação
seria em inglês. Até aí tudo sob controle. Mas aí vem o lado "dessa água
não beberei". Sempre odiei quem vai a eventos para ler sua apresentação.
Oras, se for para ler a gente manda por email e não precisa se juntar numa sala
para debater. Sempre me recusei a ler apresentações. Mas eu não contava com a
salada linguística que seria a minha. Erros que cometi: não fiz meu roteiro em
espanhol, só a apresentação em inglês. Não preparei nada em ambas as linguagens
para ler. Daí saiu uma bosta de apresentação em portunhol com as preposições em
inglês. Não tem jeito. Há uma caixa no cérebro para a língua-mãe e outras para
as segundas línguas. E aí, numa situação assim, de pressão para se comunicar, o
cérebro vai revirando a caixa e busca aquilo que explica melhor o que você vai
dizer independente da língua... E sai uma salada nem um pouco saborosa. Essa
confusão já acontece em casa quando estou muito cansada. Sai espanhol ou
português quando todo mundo só entende inglês. Uma zona. Então, conselho: faça
roteiro sempre na língua que você vai falar. Ou em todas possíveis. E
concentra. Muito.
A outra gafe é o branco de memória, que também vem dessa salada. Tarde de passeio em Bogotá e o filho Juan manda eu sair com o amigo alemão porque ele precisava trabalhar. Com o amigo alemão eu estava falando inglês. Com o restante da cidade, castelhano/espanhol. Pois bem, fui procurar um Filtro dos Sonhos no mercado de artesanato local. O filho brasileiro estava tendo pesadelos porque se mudou e esqueceu o que ele tinha no Brasil. Mãe nenhuma quer ver cria sofrer, então vai lá eu providenciar outro feito pelas comunidades colombianas.
Cheguei na banquinha, olhei, olhei, olhei e nada. Vou perguntar. Sim, mas como é que fala Filtro de Sonhos em castelhano?
-Tiene la cosa que saca pesadillas?
- Cómo?
- Una cosa que saca las pesadillas por la noche... Así, redonda, y tiene unas líneas como una red... Si colga en la habitación...
- No sé, señora, de que habla. Voy a preguntar. Lucia, sabe de algo que saca pesadillas?
A mulher se aproxima. Lembro do nome em inglês: dream catcher. Não vai adiantar muito dizer em inglês...
- No sé... Pesadillas?
Caminho pelo mercado com as duas
mulheres me seguindo, agoniada para encontrar algo similar e mostrar.
Achei!!!!
-Eso!!! Como llamas eso?
- Ahhhhhhhhh!!!!!! Atrapasueños....
- Humpf. Porqué se atrapa los sueños? Necesito solo para las pesadillas.... Todos rimos, mas eu fiquei triste. As mulheres me vendem o objeto e eu saio me sentido o maior fracasso linguístico/comunicacional de todos os tempos. Porra, porque não traduzi do português e do inglês? Ambos falam de sonho ou dream... Nada de pesadelo ou nightmare
Achei!!!!
-Eso!!! Como llamas eso?
- Ahhhhhhhhh!!!!!! Atrapasueños....
- Humpf. Porqué se atrapa los sueños? Necesito solo para las pesadillas.... Todos rimos, mas eu fiquei triste. As mulheres me vendem o objeto e eu saio me sentido o maior fracasso linguístico/comunicacional de todos os tempos. Porra, porque não traduzi do português e do inglês? Ambos falam de sonho ou dream... Nada de pesadelo ou nightmare
- Escuto as senhoras rindo e
repetindo: pesadillas...
No fundo, o pesadelo é conseguir
passear pelas línguas sem ser atrapado por algum misunderstanding.
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