Saudade não tem tradução


Finalmente a mudança chegou. Cinco meses a mais do que o prometido. Nesse tempo de espera fui do “aimeudeusdocéuminhascoisas” para o “nem lembro mais do que está vindo” para, depois, o “meudeusminhasfotostodasestãoali!!!!”.

Posso dizer que foi um choque de dois mundos a chegada dos meus pertences. Primeiro porque eu fiz uma limpa tão limpa antes de mandar, que eles se reduziram a uma mala de roupas que se usa uma vez na vida outra na morte, uma mala com todas as fotas impressas que eu tive, e uma mala de memórias. Essa mala de memórias mexeu comigo. Essas coisinhas lembraram de outras formas de mim que estavam navegando de jangada até chegar aqui. Nela vieram meus apetrechos de flamenco (a castanhola!), meu Santo Antônio, Nossa Senhora feita de pedra sabão que meu filho tinha trazido, um sol feito de vidro e metal trazido do Hawaí, um presépio nordestino, um imã de geladeira da sagrada família que veio de Sevilla, um vaso de florzinhas da comemoração do casamento do meu irmão e cunhada e mais um punhado de outras coisinhas que são únicas e carregam quilos de memórias e símbolos.

Vieram também as seis caixas de livros. Eu espremi todos também. Mais da metade dos que eu tinha foram dados, doados, distribuídos. Mas os que ficaram, meu senhor, que falta fizeram na última pesquisa que precisei fazer. Senti muitas saudades de folhear e ver que página era mesmo aquela citação que eu quase sabia de cor e que ficaria perfeita nessa parte do texto...

Todas essas memórias foram provocando meu cérebro, fuçando aqui e ali, em algumas histórias. Foi quando abri a mala de roupas. As toalhas decoradas e coloridas pularam da mochila e o cheiro do sabão que eu usava em Curitiba rescendeu no ar. Inspirei fundo. Ainda estavam com cheiro de limpas. E o gatilho disparou. As cenas vieram como mágica. Cores. Luz e sombra. Lembro do apartamento. De dias claros nos quais eu pendurava as roupas nos dois varais e a casa inteira ficava cheirando à limpeza. Em domingos de início de outono ou de primavera, que eram fresquinhos, calmos, ensolarados e que da janela podia se ouvir as movimentações dos vizinhos para os churrascos na casa de outrem. De levar a cã no parque para brincar e depois passar na casa da minha mãe para dar banho em um animalzinho enlameado e feliz.


Saudade. Definitivamente ela veio junto com a mudança.

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