Desde que adotei a Pandora, a minha
primeira cã, eu aprendo todo dia uma excelente lição: a contemplação.
A cã decidiu por ela própria fazer
xixi e cocô só fora de casa. Cansei de deixar o jornal lá, no chão, por meses e
ele ficar ressecado do sol, sem um xixi em cima, sem um cocô para trocar.
Até que desistimos de deixar o
jornal à disposição. Ela segurava e pronto.
Muita gente já me disse que sou
sortuda por isso. Nada de caca dentro de casa.
Mas a percepção que tem alguém
segurando o xixi ou cocô e que isso depende de você não é tão legal. Não há,
também, a chance de um dia sequer não sairmos de casa. Pode estar caindo o
mundo de chuva, pode estar ventando tudo e mais um pouco, pode ser de noite porque não deu tempo durante o dia, pode ser bem cedo para ter que dar tempo de
fazer as outras coisas... não importa. Você se obriga a sair de casa pelo menos
duas vezes ao dia. Às vezes mais. E isso ensina muita coisa. Resiliência é uma. Porque você
percebe que enfrenta qualquer clima, que não vai morrer se tiver que ir lá fora
num domingo preguiçoso, que você não vai derreter na chuva ou ser levado pelo
vento. Você vai.
Esses momentos de saída dão
oportunidade para a contemplação. Mas ela só se dá quando você faz isso no
ritmo da cã. Tem gente que fica apressando o cãozinho, tratando essa saída como
mais uma obrigação. Eu, que não sou trouxa, resolvi aprender a desacelerar com
a Pandora. E ela tem sido uma excelente professora.
Quando eu estava em Curitiba essas caminhadas aconteciam ao redor do prédio. Era a
percepção da florzinha, da árvore, do fruto que acabou de cair, da folhagem
diferente. Da textura do chão. Às vezes ela se interessava por pessoas. Ela
sentava na calçada e, me deixando extremamente embaraçada, ela fitava os
passantes. Até eles sumirem de vista.
Havia as situações em que ela
cheirava meticulosamente uma árvore. E eu ficava ali esperando. Na espera, eu
prestava atenção ao formato da árvore, ao desenho do caule, à coloração das
folhas. Aprendia a contemplar.
Na mudança para Bar Harbor essas
lições passaram para outro nível de dificuldade. O frio é infinitamente maior.
Há neve, muitas vezes mais de metro no chão. E houve a adaptação da Pandora ao
novo lugar.
Pandora buscando a bolinha na neve. Preste atenção, tem uma bolinha ali. |
Nos primeiros meses ela estava
agressiva e a treinadora disse: “você precisa cansá-la. Ela tem que gastar
energia. Faça duas boas caminhadas de uma hora cada, ou corrida de meia hora
por dia”.
Então, em vez de só achar um lugar
para fazer xixi e cocô, agora a gente precisava exercitar a Pandora. Arranjar
tempo para isso também, se organizar, e mais importante, tirar algum proveito
disso.
Foi desse jeito que testemunhei
cenas lindíssimas no céu e na natureza. Foi desse jeito que conectei com a
natureza ao redor, que já é um desbunde, mas que precisa de tempo para ser
contemplada. Foi desse jeito que aprendi, com ajuda dos conceitos chineses, a
estar 100% em cada lugar. Quando caminho com a Pandora, somos nós duas e a
calçada, rua ou trilha à nossa frente. Nada mais.
Foi assim que um dia paramos para
ver uma perseguição de esquilos.
Foi assim que encontramos outra
bolinha para brincar, que depois de 3 dias passando por ela, e sem ninguém a
recuperando, trouxemos para casa.
Foi assim que sentamos na pedra,
perto do mar e ficamos vendo os patos.
Foi assim que ouvimos o corvo e
paramos embaixo da árvore para observar.
Foi assim que fiquei mais de 10
minutos parada na frente de uma casa vendo um chipmunk (esquilo menor e marrom) comer uma noz. Pandora
tentou ir falar com ele, mas decidiu sentar e assistir.
Foi assim que conversamos com diversas
senhoras.
“Posso passar a mão nela?” “Pode,
só cuide com o rosto, ela pula.”
Foi assim que observamos vários
pássaros desde os lindos Bluejay e Cardinal.
Foi assim que ontem, passando na
piscina de crianças, que estava congelada, vimos um show particular de
patinação. A menina treinava sozinha rodopios e outras manobras. Dessa vez fui
eu que parei para ver o espetáculo. Pandora sentou do meu lado. A menina
percebeu e, com medo de atrapalhar, resolvi continuar andando. Pandora queria mais.
Ficou olhando para a menina e seus rodopios até virarmos a esquina.
Cada dia é um espetáculo diferente.
E sou grata pelo aprendizado da contemplação.
Obrigada Pandora.
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