A luva

Tem gente que explica por meio de signos. Eu tenho ascendente em virgem e acho que esse pode ser o meu problema. Não sinto que é doença, mas posso dizer que entre um diagnóstico de TOC que vá de 0 a 10 em intensidade, eu devo estar ao redor do 6.

Não consigo começar a escrever sem a mesa estar arrumada. Casa bagunçada me deixa mal humorada. Por outro lado, dia de faxina, no final, quando tudo está organizado e limpo, sinto como se  estivesse no céu. Já tive carro cheio de lixo para não jogar em qualquer lugar. Hoje tenho sacolinhas, para tudo.

Arrumar mala é outro esquema. Tem método. E tudo se encaixa de maneira a ficar seguro e caber sem problemas. A família nunca acreditou como consegui colocar tanta coisa na mala que veio de volta da temporada em Sevilla. Com as mesmas malas que fui eu acabei trazendo tudo de volta com mais duas cobertas queen de pena e alguns livros.

Copos e louças desparceirados ou estão assim porque é “cool”, e daí é tudo bagunçado mesmo, ou vão virar outras coisas únicas, como vasos, porta-velas. Não dá para ficar com 25 tipos de pires que não combinam com as xícaras.

Mas o pior de tudo é quando a coisa tem que vir em par e perde-se um item. Se eu não conseguir dar uso para o item que ficou solitário, isso me causa uma agonia imensa. Sensação ruim mesmo.
Sim, já perdi meia. E a meia que fica sem o outro pé vira pano para tirar pó, tudo certo. Já perdi brinco. O brinco que fica, sempre tem uma opção decorativa virando até um chique pin para segurar bilhetes no mural de cortiça.

Mas ontem eu perdi uma “mão” de luva. Continuo inconsolável. A luva foi de alguém importante, estava sendo super útil mesmo. É daquelas que esquenta mas não é grande, gordona. Era ótima para proteger no frio sem tirar os movimentos.

A luva que está ótima...


Não sei o que fazer com a outra mão da luva que está ótima. Olho para ela e me dói saber que a outra mão está por aí, no mundo. Acho que perdi no aeroporto quando saía do carro... Deve estar lá no chão. Carros passando por cima, ou gente pisando. Ou ainda enterrada em uma grossa camada de neve.

Perder uma mão de luva é a coisa mais absolutamente normal em lugares de frio. Não tem jeito. As peças são pequenas, soltas, você está no meio de uma ventania ou chuva e precisa abrir um trinco. Tira a luva. Se ela cai, você não vai perceber. Ela não faz barulho.

A luva pode cair do bolso, da bolsa. Não tem jeito. Eu queria muito que houvesse um lugar onde esses objetos perdidos pudessem ser encontrados. Até imagino as duas luvas correndo felizes uma para a outra. E eu mais feliz ainda.

Mas não dá. A gente tem que lidar com o que se perde para sempre também. Preciso aprender essa lição sem sofrer tanto. Fazer como Mags Harries que transformou em arte as luvas perdidas de Boston. Elas estão nas calçadas, na escada rolante do metrô transformadas em esculturas de bronze. Todas tortas, com aquela cara de abandonadas que ficam quando caem ou são levadas pelo vento ou pisadas.
http://harriesheder.com/project/glove-cycle/

http://harriesheder.com/project/glove-cycle/

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As que supostamente vão, viram arte. Mas o que fazer com as que ficam?

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