Receita para se matar de chorar

Decida ir embora. Entenda que é assim que a vida tem que ser: uns ficam outros vão. Vá.
Prepare a ida. Detalhes. Papeis, coisas, desfaça-se do seu passado de mais de 40 anos guardado. Jogue coisas fora, se pergunte por que você guardava tanta coisa que lembrava sofrimentos. Jogue fora. Dê muitas coisas. Desapegue. Sinta a energia mudando. Se reinvente como profissional. Desfaça-se de rótulos identitários que você carregava.
Comece a avisar as pessoas que você está indo. Vá a jantares divertidos que tiveram sua ida como pretexto, tome cafés – vários – dizendo que você está indo passar um tempo fora. Discuta com a sua família que não te entende. Não se entenda. Não os entenda.
Abrace todo mundo que é importante. Reafirme que vocês vão manter contato. Reveja primos que você nunca visita com o pretexto de estar distribuindo as coisas de casa. Partilhe seus livros e plantas, acredite que pedaços seus estarão espalhados por aí. Acompanhe algumas pessoas dizendo  que as flores estão lindas na casa delas. Receba fotos.
Veja seu marido ir embora. Tente controlar os prazos, achando que eles dependem de você. Frustre-se. Muito.  Brigue com seu marido à distância. Sinta saudades.
Faça acupuntura e terapia para aceitar a frustração.
Abrace as pessoas que estão se despedindo de você, mas seja bem forte. Não chore, porque senão todo mundo vai pensar que você está arrependida. Lembre que a decisão foi sua.
Receba pequenas lembranças de ex-alunos, de amigos, de tias. Veja o quanto se esforçaram para não avolumar suas malas.
Se estresse tentando enviar a mudança. Se estresse fazendo as malas. Se estresse arrumando o apartamento que vai ficar. Pressione seu filho para se mudar. Seja beeem racional.
 Vá ao aniversário do seu padrinho e diga para ele o quanto ele foi importante na sua caminhada. Veja ele ficar feliz com a sua simples presença.
Instale um telefone para seu pai. E veja a sutil alegria dele em saber que poderá falar com você a hora que quiser.
Aceite o carinho dos seus amigos, padrinhos e família estendida. Abrace muito e diga que vai ficar tudo bem. Inclusive para quem está chorando. Diga que as redes sociais estão aí, que vamos nos falar mais do que antes. Engula as emoções.
Abrace sua mãe. E seja “forte” como ela sempre foi. Nada de chorar.
Vá para o aeroporto e olhe bem para seu filho. Abrace-o. E comece a chorar. Porque ele cresceu, porque você sabe que ele vai ser um bom homem mesmo longe de você. Entenda que é hora dele caminhar solo. Que se você não saísse era ele que ia sair. Entre na fila para passar a segurança do aeroporto e entenda, finalmente, que agora não será mais vocês dois.
Vá para outro aeroporto. Espere. Espere muito. Caminhe e lembre de tudo. Chore mais um pouco. Não tem conhecidos mesmo. Chore com vontade. Relaxe, finalmente.
Encontre um lugar calminho ali mesmo e assista os vídeos de uma galera que te deseja o bem, que vai um pouco com você, que diz que de algum jeito você fez diferença.
Pronto. Chore. Chore por umas 6 horas seguidas. Por tudo que você guardou desde que decidiu e porque você sabe que ir é ficar um pouco.

Que é nunca ser inteiro mais, porque pedaços seus foram ficando por aí, com cada um.

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