Hoje, quinta-feira santa, a família do anfitrião estaria por
aqui. Para eles o feriado vai até segunda-feira, que chamam de Pasqueta. Eu
fiquei me perguntando porque a segunda também seria feriado e o Greg resumiu:
deve ser o dia da ressaca da comemoração da ressurreição. Outra coisa que vou perguntar. Aliás, tenho
alguns outros posts em mente que não são diários, para tratar de curiosidades
da viagem e de descobertas. Mas nem sei se vão sair. Já não dou garantia de textos porque tenho
uma lista imensa de textos a serem feitos, de reflexões e elas ficam ali,
dormindo, bem quentinhas aconchegadas no bloco de notas.
Esses textos só estão saindo porque estou considerando a
tarefa como um sacerdócio mesmo. Tem que fazer, todos os dias e pronto. Já fiz
tanta viagem que queria relembrar detalhes e não escrevi que fico
decepcionada. Essa pelo menos vai ter os
nortes gerais, principalmente para quem tem a pulguinha de fazer algo assim e
precisa de um estímulo.
Paolo e Marco vieram cedo como de costume. Paolo no trator.
Indicou que Marco nos levaria ao campo e que depois ele chegava para nos dar
instruções. Apontou ainda que a quinta era especial, que eu deveria ir à missa.
Entendi.
Tirando uma ferpa que estava no dedo... Acontece. |
A pilha de galhos feita enquanto esperávamos. |
Paolo arando o meio das filas de oliveiras. |
O corredor arado. |
A vista do escritório que não vou esquecer. |
Fomos ao campo, esperamos, esperamos. As pás estavam
trancadas dentro do casebre e não podíamos espalhar o restinho de composto que
faltou. Eu fiquei me coçando de ficar parada e decidi que ia limpar os galhos
de uva dos dois corredores que eu tinha cortado dias atrás. Alguém ia precisar
fazer aquilo algum dia. Enquanto esperávamos, podíamos limpar. A tal da coisa
da iniciativa que é tão valorizada em multinacionais e grandes empresas...
Terminamos e Paolo chegou. Deu uma ferramenta pequena verde, tipo uma mini-enxada, disse que era coisa para eu fazer no campo das sálvias. Era para cortar/cavocar
todos os matos ao redor dos pés de sálvia. Boa. A pessoa com TOC adora ir
limpando. Greg ficou meio assim, sem o que fazer, daí falei para ele ir
cavocando com a mini-enxada que eu ia atrás tirando o que restava. Paolo foi
arar a terra com o trator para plantarmos batata e outras verduras.
Cuidado com o pequeno campo de sálvias. |
Sálvia. Sugiro a você que está lendo, plantar na sua casa. O líquido dela fervida serve como antifúngíco para plantas. |
Ele foi embora assim que terminou, e eu e Greg fomos tirar
os galhos secos do outro campo de salvias, essas maiores. Minhas costas não
estavam só reclamando, elas gritavam. A lombar parecia que nunca mais ia se
posicionar direito de novo. Marco veio para nos buscar e eu fui meio torta para
o carro.
Na casa do anfitrião conhecemos a esposa, Giuliana, e os
filhos, Margherita (9) e o pequeno Matia (7). A esposa é professora de
aborrecentes entre 11 a 13 anos (blargh!) e eu falei, do meu jeito, que a
admirava muito por essa escolha...
Ela disse: - ensinar na universidade é um pouco diferente...
- Eu imagino quanto...
Bem, o programa para
a tarde era escalarmos. Greg ficou feliz de caber na calça de escalada. A mesma
que a minha mãe conseguiu fazer um trabalho de mestre: com parte de um bolso da
mesma calça ela escondeu quatro buracos que estavam na bunda. Ela nunca
imaginaria que ele ficaria esfregando aquela calça na pedra... De qualquer
forma o trabalho de costura ficou absolutamente fantástico e o gringo foi feliz
para a pedra com a calça vestindo bem, inclusive na barriga.
Bem, encontramos o amigo mais encontrável do planeta, Chris,
e fomos para um dos pontos de escalada que os meninos escolheram, Belvedere, em
Nago, pertinho de Arco e Riva del Garda.
Chegando lá, eu, que pouquíssimas vezes escalei na vida, quase ri. Todas
as vias eram organizadas, faziam parte do livro-guia que eles compraram pela
internet, tinham agarras como se fossem degraus e... estavam numeradas!
Resumindo: praticamente um ginásio de escalada de tão previsível e organizado.
Pois bem, para quem for ver as fotos, verá que parecia mesmo um mamão com
açúcar tudo. Era muito fácil mesmo. Na classificação francesa, eram ao redor de
3a, 3c e os meninos fizeram um 5c. Sim, as classificações em francês são mais
fáceis que as brasileiras. Eu escalei três vias bem curtas, que tinham em torno
de 12 metros. Coisa tranqüila. Mas principalmente a primeira fez minhas pernas
tremerem. Isso que dá ficar longe da escalada por um tempo. O cagaço reaparece.
Bem, imagino que também foi em parte pela exposição: dava para ver o lago todo
e os municípios ao redor. Coisa linda mesmo, mas quando você está pendurado por
uma corda grudado em um paredão, a sensação pode ficar assustadora.
O caminho feito pelos três. |
A cena do final da tarde do local da escalada. |
Desenhos que a água faz na pedra. |
Os meus parceiros de sempre. |
Eu, a fazendeira que virou escaladora. |
Greg pendurado no crag. |
Chris escalando e Greg fazendo a seg |
Os parças. |
Uma foto linda que tirei de uma moça que não conheço. |
Lago di Garda de onde estávamos escalando |
Escaladores. |
Bem, o dia não terminou ali. Lembremos que era quinta-feira
santa e havia uma missa para ir. Ralada, com frio, voltei com os meninos – que
estavam felizes – para casa para tomar banho, comer alguma coisa e ir para a
igreja, ali em Tenno mesmo. Não, eu não estava indo obrigada. Tinha muita coisa
para agradecer, notícias vindas de casa, principalmente, e poderia ser ali na
igreja ou em qualquer outro lugar, eu gostaria de agradecer.
Lugar de adoração do Cristo morto. |
É impressionante como a religião não sai de você, mesmo que
você queira. Lembro da minha amiga Regina Reinert falando: você pode até sair da
religião, mas ela fica lá, guardada em você. É forte.
Pois bem, fui sozinha para a igreja de Tenno. Greg e Chris
iriam ficar cozinhando depois iriam para o quarto de Chris no hotel onde
haveria internet. Fiz minha caminhada
para a igreja tentando controlar a imaginação. É foda. Eu que tenho mania de
pensar longe e criar estórias, andando em uma vila medieval absolutamente
silenciosa e escura, sem uma alma viva na rua, às 20h, pensei um monte de besteira.
Depois despensava. A lógica falava mais alto.
- Claro que ninguém ia aparecer do nada para me fazer mal.
Ia ser notícia por séculos aqui.
- Nunca aconteceu algo violento, imagina se agora
aconteceria...
E aí os cadáveres e todos os mistérios das sombras de cada
edifício abandonado iam tomando forma, contando algo assustador... e eu
continuava a caminhar.
- não era possível haver tanto silêncio assim junto em uma
quinta-feira santa! Cadê o pessoal, cheio dos falatórios na hora de entrar na
igreja?
Nada. Absolutamente nenhum movimento na vila. Se eu não
tivesse certeza de ter deixado o Chris e o Greg em casa, vivos, eu diria que
estava sozinha no mundo. No escuro. No frio.
Bem, chegando perto da igreja vi alguns carros parados e
finalmente respirei melhor. Havia mais gente por ali.
Entrei e todo aquele pavor se foi. Um grupo de pessoas de
meia idade, muitas com cabelo beeeeeem branquinho cantavam. Mais tarde vi que
era um coral. Ninguém vestido cheio de pompa ou de jeitos. Todo mundo de jeans
e jaquetas de frio. Mas cantavam como ninguém. Primeira e segunda vozes,
mulheres e homens separados nos refrões. Um deleite para os ouvidos. Me peguei
várias vezes, durante a missa, só assistindo o coral, esquecendo as orações e o
ritmo, que são exatamente os mesmos em todas as línguas.
O padre falou do lava-pés e acabou lavando os pés dos
pequenos que iriam fazer a primeira comunhão. Coisa simbólica, mas forte. A
homilia, ou se preferir, o sermão, foi bem específico: o amor resolve tudo. A
caridade e o amor resolveriam todos os nossos problemas humanos. Concordo.
Saí da igreja leve, mais feliz pelo coral, pelos pequenos
comunhantes, e mais ainda por saber que posso escolher a fé que devo professar.
Que não sou escrava de dogmas morais. Eu decido se vou ou não, se acredito ou
não. Mas aquele momento era de agradecer por ser parte disso tudo e por ter a
liberdade de escolher.
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