WWOOF – Itália – o plano

A vida já não estava dentro dos eixos, como diria meu avô. Eu já tinha tomado a decisão de mudar para o país do marido – por um tempo somente – já tinha começado o processo de visto - e me frustrado bastante nas andanças de documentos para cá e para lá que nunca se resolviam - já tinha saído do meu trabalho que todo mundo via com respeito, e não tinha muito visão de futuro, apesar de ter construído um cenário todinho feito de expectativas.

As coisas sobre o futuro começaram a se ajeitar quando se definiu que temporariamente íamos cuidar do negócio que a avó do marido deixou. Um bed & breakfast super charmoso em Bar Harbor, no Maine. Mesmo sem o meu visto tínhamos uma noção de data, tínhamos trabalho, um lugar para morar, uma certa missão. Pronto. Luz no fim do túnel. E, eu, nesse meio de caminho só tinha uma certeza: vou me jogar no trabalho de novo, como sempre fiz. E dei voz a uma pulguinha que estava atrás da orelha e me dizia para ir um pouco mais longe nessa loucurada de se jogar no mundo. Não tinha dado agora para fazer o caminho de Santiago de Compostela porque era inverno e precisávamos de um mês inteiro. Pois bem, eu já tinha dado, como muita gente já fez, uma bela volta naqueles sites que ensinam a gente a ser feliz mudando tudo, a virar nômades digitais, trabalhando pelo computador e internet, tipo, na Tailândia. Bem, não era esse o meu caso, mas nessas andanças virtuais conheci uma organização chamada WWOOF que significa World Wide Opportunities at Organic Farms. Pois bem, o site mostrava todas as fazendas de produção orgânica, muitas familiares, que eram vegetarianas ou não, que usavam a biodinâmica para produzir seus alimentos e que tinham um programa de receber voluntários por um período de tempo. Enfim, me interessei.
Foi aí que liguei lé com tré e pensei: por que não?

Falei com o marido que não “bate bem”, assim como eu, e ele disse: “por que não?” Eu sempre pensei que essa combinação de nós dois ia acabar em algo assim...

Bem, existem fazendas para woofers no mundo todo. E aí meu lado pragmático definiu: onde? Itália, claro. Espera, não foi algo tão impensado assim. Há tempos eu queria dar uma fuçada nas minhas raízes. Sei que a família do pai tinha vindo de Trento, bem ao norte da Itália. Sempre me interessei pela vida que meus bisos tiveram, fugindo da guerra, mas nem sempre tive tempo para estudar mais o assunto. Daí, resolvi juntar o útil ao agradável escolhendo uma fazenda no norte da Itália. A pessoa aqui sempre foi urbana. Plantou no máximo, de comer, o feijãozinho no algodão úmido e mais tarde cultivou os temperos no beiral da janela. Isso foi tudo.  Por que não se jogar em uma produção de qualquer coisa mais legal? Pois bem, fizemos a filiação no site woof (no da Itália custa 35 euros por que tem um seguro incluído), viramos woofers, começamos a escolher a fazenda a partir da região que queríamos e das atividades mais adequadas (lidar com animais em geral, para ambos, seria meio over nesse início...). Separamos três fazendas, entramos em contato avisando da nossa janela de tempo e de nossa intenção – tudo em inglês – e fiquei torcendo para aquela que estava mais perto de Mori (“paesino” de onde saiu o meu bisavô), nos aceitasse. Recebemos um não atrás do outro. E a terceira, aquela que eu queria, falou que tudo bem a gente passar duas semanas ali. Finalmente os céus nos ouviram. A bomba veio um pouco depois, quando nessa troca de emails o dono da fazenda falou que eles, na verdade, não falavam inglês, mas que usavam um aplicativo para escrever os emails. A notícia me pegou numa época de TPM e eu surtei em casa, junto com todos os outros pequenos motivos que fazem a gente ter um chilique porque parecem monstruosos...

- O fazendeiro só fala italiano!!!!
Marido com um chocolate na mão e vinho na outra:
- Mas a gente dá um jeito, não se preocupe!
 - Que jeito?? Vai ser como aqui, para pedir uma pizza EU tenho que pedir. Eu vou estar plantando alguma coisa e você vai ficar perguntando para mim as coisas... e o pior, EU NEM VOU SABER TE RESPONDER PORQUE TAMBÉM NÃO SEI FALAR ITALIANO!
- Mas veja, então podemos trocar de fazenda...
- NEEEEMM PENSAR! ESSA É A PERFEITA!! TEM OLIVEIRAS!
- Bem, então a gente vai dar um jeito...
- Sim, daremos. Nós dois vamos fazer pelo menos um mês de italiano. OK????
- Tá bom.

Nada como uma TPM para deixar tudo muito dramático e fazer as coisas se movimentarem ao nosso redor. Compramos as passagens, combinamos com uma amiga do flamenco que é italiana e professora de italiano, e começamos a estudar. Acertamos os detalhes com o pessoal da fazenda. O acordo foi: trabalhar parte do dia na fazenda, que pode ir de 4 a 5 horas, e o pessoal da fazenda ofereceria comida e estada. São diversos tipos de estada nas fazendas: em celeiros, em barracas, junto com a família, em um quarto compartilhado com outros woofers. A dessa fazenda não era junto com a família. Era em um apartamento no paesino próximo, em Tenno.

Tudo acertado, começamos a namorar o destino: ao norte do lago Riva Del Garda – o maior da Itália, nas alturas das montanhas, pertinho das Montanhas Dolomitas.

Eu resolvi aproveitar e fuçar nas raízes da família, nos documentos. Abri caixas de memória dos meus tios e fui entrando em um mundo do passado, em que havia uma das batalhas da segunda guerra de independência da Itália ou a reunificação que evacuou o vilarejo de Mori em 24 horas e boa parte da documentação foi colocada em sacos de lixos e carregada às pressas. Muito se perdeu. Junto com esse muito a certidão de nascimento do meu bisavô, que chegou ao Brasil com 16 anos.

Aprofundei o que eu já sabia: trentinos não têm direito à cidadania italiana (houve uma exceção por alguns anos), porque a região era austríaca nessa época de imigração forte ao Brasil, um pouco antes da primeira guerra mundial.  Foi essa guerra, a da reunificação da Itália, segundo pesquisas do marido, que em uma batalha ocorrida no sul desse lago milhares de soldados ficaram feridos e a situação foi tão horrível que os próprios companheiros matavam os feridos porque não havia socorro médico. Queria-se abreviar o sofrimento de quem já estava condenado. Foi principalmente essa batalha que encaminhou a Convenção de Genebra que pôs algumas regras nessa idiotice chamada guerra e foi ali também que foi gestada a Cruz Vermelha.

Fucei também o lado materno, dos Canalli ou Canali, que na verdade vieram dos Canale e descobri que eles vieram de perto de Veneza, de um lugar chamado San Martino de Lupari. A sacada? Menos de 200 km de onde a família paterna saiu. Quem diria, a bordo daqueles navios, que essas duas ascendências um dia iriam se juntar, hein?

Bem, curso de italiano indo de vento em popa, passagem comprada, pesquisas sendo feitas... era hora de ajeitar a vida prática. Avisando meus pais desses planos consegui um feito desejado desde a adolescência: minha mãe me pegou nos dois braços e disse: “você é louca”. Ainda bem que chegando aos 42 ela não podia fazer grande coisa para me impedir.

Tivemos reações estranhas de vários lados. O filho colombiano me deu uma mijada via whatsapp (quase me chamou de irresponsável), o pai do marido perguntou que tipo de férias são essas em que se trabalha em uma fazenda... Mas, também tivemos muita gente dizendo: “que fantástico!”, “Aproveitem muito!” “Quero saber os detalhes”.

 Bem, é para esse pessoal que estou escrevendo. ;)

Comentários

  1. “que fantástico!”, “Aproveitem muito!” “Quero saber os detalhes”. Estou acompanhando o blog ;) e amei a iniciativa. Que a sua experiência seja muito rica e te traga grandes iluminações. Grande Beijo Alessandra

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  2. Obrigada, Ale!!! E obrigada pelo comentário!

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  3. me senti como se estivesse na sua sala assistindo você surtar e vendo o Greg se aproximando de você com o vinho e chocolate nas mãos. Que delícia de ler você!

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  4. Ni!! Só agora que descobri que vc tava fazendo esse diário!! Agora tenho um monte de posts pra ler!! To animada!!! :))

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  5. Sensacional Nivea! Que delícia de ação! =) Muito sucesso nesta "jornada" e estarei acompanhando o blog. Abraços.

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  6. jesus... vc era tudo que eu precisava achar. Me diz uma coisa, para o processo de cidadania o WWOOF É aceito???
    Meu nome é Giulia, e desde ja agradeco.

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    1. Olá Giulia, eu não tenho certeza se vc consegue fazer a cidadania com o woof pq para a cidadania vc precisa se preparar para ficar na Itália uns 4 a 6 meses - pelo que tenho visto. Mas já vi relatos de gente que fez com o work away. Vc está no grupo defacebook area livre? https://www.facebook.com/groups/arealivrecidadania/ Ali vc vai poder saber de todo o tipo de info sobre o processo de cidadania. Qdo fui passei duas semanas e não foi para fazer o processo. É uma experiência fantástica!

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