Acordamos às 6h30 e já fomos trocando de roupa logo para nem
pensar no frio que estava. Fora devia estar os 4 graus de sempre. Dentro, uns
10 graus. Tínhamos que buscar o café da manhã ou no supermercado apontado por
Marco no caminho ou no hotel /restaurante que ficava ladeira abaixo. Greg pôs a
touca e foi saindo. (Nota mental: nunca deixar de trazer para qualquer lugar
toucas, luvas e cachecóis. Mesmo que as pessoas digam que faz 15 graus no
lugar...) Ele já gritou de fora enquanto eu me ajeitava para sair: você vai
gostar do que vai ver!
Vista da saída do nosso apartamento... |
Saio do apartamento e dou de cara com aquela montanha enorme
da frente, toda pipocada de neve... Cena absolutamente fantástica de se ver com
o frescor da manhã. Comecei a ficar
feliz com a decisão tomada. Até então quase tudo era dificuldade de ajuste.
Viagem cansativa, língua, clima... Mas
naquele momento eu senti que deveria estar ali mesmo. Que era ali o meu lugar,
naquele momento. Agradeci em silêncio.
No hotel pedimos un cappucino, una spremuta de arancia e due
cornetti. As aulas de italiano foram fantásticas para o sucesso da operação.
Obrigada, Manuela.
Cara amassada da primeira noite mas feliz com o café que conseguimos no Albergo Alla Croce |
Voltamos ao apartamento e esperamos. Marco apareceu às oito.
Entramos no carro, ele acendeu um cigarro, e eu torci o nariz. Pegamos uma
viazinha absolutamente estreita que nem o carro dele passava direito, e cometi
o erro de perguntar se alguém vem do outro lado. Ele falou que sim. Que tem que
buzinar de vez em quando... Comecei a rezar para nem aparecer qualquer coisa
motorizada na nossa frente ne, para não escorregarmos para o lado, em algum dos
paredões.
Várias pequenas fazendas se aglomeram na montanha. Nada é
plano. Tudo muito parecido, ali convivem lotes de diversos produtores e
oliveiras e vinhedos. Marco estacionou meio enviesado ali mesmo e descemos para
o terreno de Paolo. Ele deu um amontoado de arames encapados com papel para o
Greg e nos explicou que nossa missão naquela manhã era escolher o galho mais
forte de cada vinha, forçá-lo gentilmente para o lado direito e amarrá-lo
deitado ao fio de arame abaixo. A vista dali era estonteante. Um pedaço do lago
Riva Del Garda, o povoado de mesmo nome, outras várias fazendas pequenas.
Montanhas enormes ao redor de tudo.
A vista do nosso "escritório" aqui... |
O trabalho obviamente era fácil. Na prática. Mas na teoria,
dentro de mim uma discussão ética e moral acontecia. Qual afinal era o mais
forte? Porque só o galho mais forte seria direcionado? O que aconteceria com os
outros? Sim, filosofar sempre pode complicar tudo. Inclusive o direcionamento
de vinhedos. É claro que eu sabia que o mais forte seria o que daria os ramos
novos, que os outros seriam cortados. Na prática tudo fazia sentido. Mas eu
ficava pensando: quem era eu para decidir o destino de galhos de uva? Sozinha
ali, no silêncio a discussão acontecia. O marido disse para eu pensar na
situação do Marco que não só escolhia os galhos mais fracos das oliveiras, mas
os cortava, sem dó nem piedade. Enfim, o paralelo com a vida? Claro que foi
feito. Às vezes para se dar frutos bons e se tornar forte é preciso cortar o
que vai só distrair ou minar a energia da planta como um todo. As lições já
tinham começado.
Depois da missão naqueles parreirais, Marco nos enviou para
um outro pedaço de terra que era uma plantação de repolhos. Havia vários
repolhos ali. A tarefa era arrancar tudo e jogar em uma pilha de repolhos. Mas
havia muitos repolhos ali que podiam ser comidos!! Como assim jogar tudo fora?
Ele disse que Paolo tinha pedido para fazermos isso e que ele também achava
ruim jogar tudo fora. Que poderíamos salvar o que víssemos que podia ser
melhor. Foram mais de 30. Perguntei para Marco porque Paolo não vendia aqueles
repolhos, já que estavam bons. A resposta: não eram o padrão do mercado e ele
não tinha certeza se Paolo participava de feiras de produtores ali. Eu fiquei
pensando na quantidade enorme de comida jogada fora em tanto lugar do mundo em
nome do tal padrão. Que absurdo!
Bem, terminamos com o campo de repolhos, amontoamos tudo
sabendo que ia para a compostagem, juntamos os melhores e ficamos com dois para
cozinhar. Encontrei também no meio das vinhas, rúcula selvagem (deixa-se a
planta e pega-se só as folhas), alguns brócolis e uma alface diferente. Marco
disse que eu podia pegar tudo que quisesse – era o restinho de produção, a
terra ia ser semeada de novo.
Greg e Marco com alguns dos repolhos que salvamos. |
As folhas colhidas foram para salada que comemos junto com o
minestrone e o feijão com salame local que o Enrico tinha cozinhado. De novo,
só não comi de joelhos o almoço, porque não entenderiam.
A alface diferente, mas gostosa. |
Rúculas selvagens |
O restinho de Brócolis |
Experimentamos os vinhos produzidos ali, embaixo da casa de
Paolo. Sem adição de qualquer químico, o vinho é tão leve que parece suco de
uva. Taxa alcoólica também muito baixa.
Ali vimos que havia produção de vinho em ânfora, como os
romanos faziam. E também conheci um patê de couve-flor que eles vendem. Esse
quero aprender a fazer!
Saindo da casa em Pranzo. Atrás Marco e Enrico. |
Segundo Marco, Paolo, o anfitrião, está em Trento fazendo um
curso que ele é obrigado a fazer. Esse curso deve ser feito por todo produtor fazendeiro,
pelo que entendi, e ensina técnicas de irrigação adequada entre outras coisas.
Ainda não sei se é por uma certificação específica ou se é uma obrigatoriedade
da região.
Voltamos para o apartamento para descansar. De tarde fomos
ao mercado, que é uma cooperativa, comprar os ingredientes para a janta que seria
ali mesmo, caminhamos por meio das vielas para nos localizarmos e depois fomos
sentar em uma estradinha para observar o vale, as montanhas e os paesinos. Eu
escrevendo e Greg desenhando. Saímos dali quando a bunda começou a congelar na
pedra.
A janta da noite foi um risoto de brócolis com um refogado
de repolho-que-nós-colhemos. Para esquentar, depois, chocolate quente e chá de
camomila. As paredes de pedra ainda estavam geladas.
Primeira janta. |
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