Woof – Itália – terceiro dia de trabalho



Durante a noite a chave geral do apartamento caiu. Ficamos sem o aquecedor e foi um pouco complicado conseguir me esquentar. Uma blusa em cima do pijama, duas meias depois e um punhado de caraminholas na cabeça, dormi. Acordei antes das 6h45 programada, e fiquei pensando como falar, em italiano, que a energia tinha acabado.

Feitas as coisas às escuras, fomos para fora esperar Paolo. O anfitrião estaria conosco hoje. Ele chega em um microfiat com uma geladeira em cima (a nossa não estava funcionando). Ciao! Tentamos dizer a ele em nosso parco italiano que a energia tinha ido embora as 22h e que ficamos sem o aquecedor que já não funcionava. Ele, no jeito italiano de ser, começa a gesticular e falar num tom muito bravo que não era possível, que o aquecedor foi feito para aquela área, que a gente dormisse na sala se o calor não chegava na quarto, e blá, blá, blá, blá com gestos. Marco chegou e entendeu que era melhor não discutir. Fomos com Marco para o campo trabalhar e Paolo ia ficar vendo o que aconteceu no apartamento. Às 9h ele estaria conosco.

Pois bem, fomos limpar outra linha das uvas em formato de pérgola, as do tipo Schiava e Merlot. Eu continuei arrancando todos os matos que deixavam tudo feio. Queria ver ficar como a parreira do vizinho, só com grama verdinha no meio, uma lindeza! Paolo chegou e disse que era só os gravetos que precisávamos limpar... Greg e Marco olharam para mim com aquela cara de: eu falei! E eu discuti dizendo que tinha que tirar tudo com raiz dos matos para limpar. Paolo agradeceu o afinco (brava!) mas disse que depois ele passava cortando tudo. Aceitei e comecei a pegar só os gravetos e galhos secos das parreiras. Logo, ele me chamou de novo, para falar devagar e traduzir para o Greg as instruções sobre as uvas em Guio (que depois procuro o nome em português, mas são aquelas que crescem em parede, nos arames. A pérgola é a que forma um telhado quando cresce). Pois bem, essa da parede é do tipo La Greine. A explicação- aula começou com:
- Marco me contou que você teve um problema na escolha dos galhos mais fortes no primeiro dia de trabalho. Entenda uma coisa: você escolhe e pronto. Mas venha aqui e veja...
A vinha com o galhos escolhido. Os outros foram cortados.
Daí ele me mostrou como se organiza a parreira pra ficar retinha e crescer bonita, como contamos os cinco brotos do galho mais forte para daí cortar a ponta e amarrar no arame para eles - cada um – crescerem para cima, contou que é possível deixar um segundo galho para uma próxima vindima, mas o restante você precisa cortar. Fez eu contar os brotos e cortar na frente dele para aprender. Aprendi. Ele disse que iria fazer aquela fila até a hora do almoço – em que ele faria gnochi e pesce (hummm) – e depois continuaríamos. Veio um vizinho conversar. Continuamos pegando os galhos do chão e amontoando nas fogueiras de queimar bruxas (não parava de pensar nisso quando via os montes que estávamos fazendo!!). Aí ele explicou ao vizinho tudo sobre a uva biológica. Me parece que a ele “non piace” o termo orgânico. “Tudo é orgânico”, diz ele.

Greg perto das fogueiras de bruxas que montamos...


No meio da conversa, ele me chamou para dar outra aula. Havia um bichinho – o Notua – que subia pela planta à noite para comer o meio dos brotos de uva. A solução biológica? Colocar uma mini-saia na vinha. Expliquei para ele - macarronicamente – que fazíamos isso no Brasil para evitar as formigas comendo folhas nos roseirais. Depois havia um outro mosquitinho – Tignola ou Tignoleta - que acabava comendo parte das folhas dos parreirais. Resolveram com um arame que exalava um cheiro de fêmea do mesmo mosquito. O arame, pelo que entendi, tinha feromônios. O nome dado à solução? Confusão sexual. O mosquito ficava bem louco tentando achar a fêmea ao redor do arame – nuvens de mosquitos – que deixava a uva/folha de lado. Já vi muita gente ter problemas com confusão sexual, mas soluções, foi a primeira vez.

Mini-saia para vinhas.


O arame com feromônio.

Mistura para o Calabrone: mel, água e vinagre.

Por fim, para resolver o problema de um outro espertinho, o Calabrone, que vinha e chupava o grão de uva, ele resolveu dar para o bichinho toda doçura que ele queria: potes de água com mel e vinagre pendurados por tudo. Essa foi uma aula e tanto de soluções biológicas que evitam os sprays de agrotóxicos...

Na segunda parte do trabalho eu já estava bem mais confortável cortando partes da vinha, contando brotos e amarrando os galhos para nascerem lindos. Posso dizer: ficaria meses fazendo isso...
De tarde Paolo nos convidou para ir com ele para outro vilarejo, do outro lado da montanha, Ledro. Aceitamos. Antes disso ele mostrou o que pretende fazer no edifício em que estamos sozinhos. Um apart hotel, ou residência para turistas. Ele disse que comprou o prédio abandonado, todo caído, bem escuro. A mulher dele achou uma loucura, mas ele foi em frente. Está tudo em construção. Entramos no lugar. Para quem gosta de edifícios velhos e com história como eu, era um passeio e tanto. Ele falou que aos poucos vai fazer os apartamentos – serão seis – com aquecimento a lenha e isolamento térmico. O que achei uma ideia e tanto...


O edifício por fora...

O Cristo sobreviveu a demolição de muita coisa na casa. Paolo entende que ele deve ficar ali. Depois terá um oratório.

As pinturas originais. Duraram tanto tempo e hoje fui passar a mão e a tinta sai fácil. Triste.

Afresco em uma das paredes que vai ser restaurado por Paolo.

Estávamos indo para Ledro buscar as estruturas de madeira para o telhado de parte do prédio. Em uma caminhonetinha com carreta micro, nós três nos apertamos e atravessamos uma parede imensa de montanhas, descendo, indo por um túnel e subindo do outro lado. Segundo Paolo, na primeira guerra mundial, Tenno – onde estamos – era o lado alemão-austríaco e o outro lado, Ledro e outros vilarejos, eram o lado italiano da guerra. Aproveitei para perguntar para ele como os trentinos se sentem, na visão dele. Ele disse que os trentinos são italianos. Mas se subimos um pouco mais a norte de Trento, em Bolzano, eles se nomeiam austríacos.  Ele disse também que essa região tem um jeito diferente, especial, de organizar as coisas. O Estado Italiano trata como área especial. É a história ainda encrustada. Talvez por aí eu comece a perceber a complexidade desses países que uma hora são isso, outra hora são de outros. A identidade do pessoal fica comprometida.
Lago de Ledro

Museu em palafitas.


No passeio vimos ainda muita neve pelo chão – parece ser um pouco mais frio que em Tenno - passamos pelo Lago de Ledro – vista fantástica – e Paolo nos explicou que primitivamente os europeus viviam em palafitas no lago para se protegerem dos animais. Eu até tentei dizer para ele que no Brasil há muita gente vivendo em palafitas, mas não tem nada a ver com animais, mas sim, com o capital. Não sei se ele entendeu.


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