Um abraço no Chiquinho

Quem me conhece sabe que as raízes da minha família são profundamente católicas. Seis tias freiras e três tios padres dão a dimensão de uma ponta do que é estar envolta em todo o conhecimento e crenças essencialmente católicas.

Bem, o mundo girou, fui crescendo, adolesci, amadureci e mantive a visão crítica- adolescêntica do que pode ser um sistema religioso cheio de contradições, injustiças e falhas. Como somos muito falhos todos nós, seres humanos. No fundo, a religião nada mais é do que um reflexo do que os humanos querem que seja a fé ou mesmo o sobrenatural. Uma pena.

Minha relação com as crenças foi se alterando. Fui professora de catequese, mas dentro do sistema já quebrando paradigmas e sendo mal-vista. Fui de ir à missa todos os domingos, durante anos, com uma trança embutida no cabelo com fitas e sapatos de verniz que eu odiava. Hoje não lembro mais da última vez que participei de uma missa.

Naveguei de bem leve por outras crenças, wicca, Kardec, seichonoiê, protestantismo e budismo... Li sobre tudo isso. Discuti e ouvi. Vi meus irmãos se buscarem em outras áreas, como o Candomblé e a Abba. E decidi, os poucos, ficar no meio. Porque eu penso que aí é o lugar onde devo ficar. Então respeito todo mundo, me envolvo onde consigo e formo a minha visão de que o maior, o sobrenatural, a deusa, existe e está dentro de nós. Tenho hoje uma fé que  é mistura de várias dessas filosofias batidas em um liquidificador para ter um resultado só: quero ser uma pessoa melhor e fazer diferença para quem precisar. Em resumo, é isso.

Mas há momentos que essas raízes falam mais alto. Muito mais alto. Há momentos em que sinto um absurdo conforto quando se trata de falar de um santo católico: São Francisco de Assis. Não sei se é porque passei a minha vida estudando em um colégio franciscano, ou se é porque a história de vida dele é tudo que precisamos hoje ou porque imagino ele sendo um cara super legal, principalmente por ser visto como protetor dos animais. A verdade é que curto esse tal de Chico.

A foto é de Jim Frazier (http://www.jimfrazier.com) e a Escultura de Frank Gaylord (sites.google.com/site/frankgaylordsculpture/home). Ela fica no cemitério de St. Peter, Napaville, Illinois e foi batizada como God´s fool. É impressionante como essa imagem consegue passar todo o sentimento de contemplação do Chico. Dizem que ver a escultura de é ainda mais reconfortante.


E para quem não sabe muito da vida dele, eu conto:

Francisco (na verdade, Giovani) era um cara absurdamente rico. Seu pai tinha grandes planos para ele, como herdar os negócios de tecidos da família. Mas em um dia que a ficha cai, depois de uma batalha, ele resolve que nada daquilo tinha sentido e decidiu se entregar aos mais pobres. Entrou pro seminário, recebeu as ordens e titulos e incomodou muito os padres e cardeais questionando porque a igreja tinha que ter tantas posses. Lembremo-nos que era o ano ao redor de 1200. Essa é a parte que mais me aproxima de Chico: a coerência. Oras, se Cristo disse para fazer a opção pela pobreza porque, cargas d´água, a igreja precisava de tanto patrimônio, tanta riqueza?  Pulando bastante estorinhas legais da vida dele, no meio do auê todo de ter vários discípulos o acompanhando, enfrentando a igreja e a lógica do ter, ele resolve se isolar e ir morar na floresta. Ali vira amigo dos animais. Tanto que hoje é padroeiro deles e seu dia é comemorado em 4 de outubro.

Mais uma coisa de família, que me faz ser bem ligada a esse santo, é que ele já tinha como parceiro e amigo, o Santo Antônio. Sim, bem esse que a mulherada colocava de cabeça para baixo para encontrar marido... Mas para o meu vô Sabino, Santo Antonio era um cara que ajudava a encontrar qualquer coisa. Até hoje quando a gente perde coisas em casa, é para ele, e não para São Longuinho, que a gente pede ajuda. E funciona.

Enfim, raiz é uma coisa difícil de negar. Isso não me impede de ver com olhos críticos toda uma cultura de repressão e controle que era vivida na época do Chico. E da qual ele foi vítima e propagador também. Por exemplo, tenho certeza que ele nutria um amor absolutamente profundo pela Clara, parceira de aventuras e abstinências. Mas a história contada por todo mundo insiste em reforçar que esse amor era casto, que eles não se tocavam, que um dia quando ele estava cheio de desejo ele se jogou em uma roseira para se penitenciar... Fico aqui me perguntando: qual era o problema se eles levassem a frente esse amor carnal também? Só a mudança e os questionamentos que estavam imprimindo na sociedade da época já valeriam a vida de muita gente.

Enfim, há muito o que se falar do Chico e da Clara. Gosto bastante da história deles e o testemunho que deram em uma época barra pesada. E fico pensando que estamos precisando de mais Chicos e Claras. Que estamos precisando de gente que tenha mais contato com a natureza, que entenda que o que nos cerca está cheio de vida, que conviver com um animalzinho demanda respeito, que não precisamos ficar comprando, comprando, para ser e estar, que precisamos valorizar as relações e a contribuição que podemos dar para os outros serem melhores.

Chico morreu cedo. Por um tempo foi morar na floresta e não chegou a completar 45 anos. Clara foi mais longe beirando os 70, se não me engano. Mas os dois fizeram uma diferença tremenda nessa terra.

Essa estátua fica no caminho da basílica para o museu/antiga casa de São Francisco, na cidade de Assis, itália. A foto é minha mesmo, mas o mais interessante é que as pombas ali, são vivas. Elas fizeram o ninho na estátua, onde havia um ninho construído. Lindo, não?


Quem quiser saber mais, visite Assis, que fica a algumas horas de trem, de Roma. Consegui dar uma passada de um dia lá com amigos queridos e, assim como foi a vida do Chico, essa passada valeu por um ano inteiro. A cidadezinha é muito fofa. Dá para visitar a capelinha simples que ele fez para rezar – que se chama de Porciúncula - (ela está dentro de uma igreja basílica, a Santa Maria Degli Angeli (ou em português, Santa Maria dos Anjos) e mais um monte de outros lugares, como a casa dele que virou museu.

Deixo aqui uma das orações mais bonitas do catolicismo que a ele é indicada a autoria. Ela mostra o quanto podemos ser agentes de mudança, se assim quisermos.

Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz;
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé;
Onde houver erros, que eu leve a verdade;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei com que eu procure mais consolar,
que ser consolado;
Compreender, que ser compreendido;
Amar, que ser amado;
Pois é dando que se recebe;
É perdoando, que se é perdoado;
E é morrendo que se vive para a vida eterna.



A foto é minha de um dia chuvoso e frio em que visitamos Assis. Se ela é encantadora com um tempo desses, imagine com céu azul.

P.S. Jim, por email, gentilmente autorizou o uso da fota.

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