Dos bailes do aprendizado contínuo

Estar disposto a aprender exige uma alta dose de humildade. Ainda mais depois que você já passou de uma certa idade e não é mais considerado “aprendiz” automaticamente. Depois dos 30, e já sendo mãe, você acaba sendo a que sabe das coisas. E pronto. Não tem espaço para dizer: huuummm, então é assim? E quando você vira professora, então? Aí sim que mostrar que você não sabe das coisas é muito pior. Porque deixa todo mundo ao seu redor inseguro, afinal, como a pessoa que ensina não sabe tudo? Afe...

Bem, aos que estão no ápice do orgulho do “sei tudo e não tenho mais nada para aprender” a vida normalmente chega dando lições, direto com o pé no peito. E a porrada é forte. Eu, que não sou trouxa nem nada, tratei de me abaixar rápido quando ela estava vindo com o pé direto em mim. E, mesmo sendo mãe, irmã mais velha e professora virei a primeira ser aprendiz. De novo. Abaixar, e continuar abaixada, posição de humildade, é uma ótima estratégia para não se machucar nos embates com a vida. Partilho com todo o prazer o que sei e estou bem atenta para aceitar quando estou errada ou quando sei que sou limitada. Mesmo assim, sei que ainda tenho um monte de coisas para aprender no que consiste a entender que não sei de tudo. Por isso me propus a caminhar, a ir em frente.

Fui aprender tango. E ouvi milhares de gritos dos meus professores sobre movimentos errados. Saí frustrada de muitas milongas por não conseguir dançar. Mas hoje posso dizer que consigo acompanhar alguém que dança tango sem pisar no pé. Não, não sou das melhores, mas o importante é que aprendi muito, sobre tango, sobre aceitação do meu corpo, sobre ser mais sensível com os outros. No fundo, vi que uma lição acaba trazendo várias outras na mala.

Continuo aprendendo sobre comunicação. Resolvi entrar no doutorado para silenciar aquela voz (que grita estridentemente dentro da gente) dizendo: você está acomodada! Se mexe, menina! E, cá estou eu no meio do auê das pesquisas científicas. Momentos frustrantes? Milhares. Milhares em que você acha que nunca vai entender aquele autor. E aquele sábado de verão em que todo mundo está indo pra praia e você precisa terminar o artigo? É claro que há um pensamento recorrente: como assim esse pessoal pode ser tão despreocupado? E aí eu olho para mim e digo: você que escolheu carregar essa bagagem, então vá em frente.

Há um tempo me joguei no espanhol. Tive momentos prazerosíssimos entendendo a língua, as diversas culturas hispano-hablantes, me aproximei de pessoas fabulosas por causa dele – meu professor é uma delas – conheci meu namorado por causa do espanhol que fiz no Chile e mais um punhado de pessoas fascinantes, enfim. E continuo aprendendo. Vim para Sevilla e descubro que 80% do que sei de espanhol não serve aqui. Que tenho que aprender muito mais. E aqui vamos nós, de novo.

Um pouco antes de vir para cá resolvi começar a aprender Flamenco. Primeiro porque meu dedão do pé desgastou (artrose) e a posição do tango não era a mais legal para tratar isso. Segundo porque eu ia fazer investigações no berço do Flamenco e como eu adoro dançar, não ia perder a oportunidade de saber um pouco mais sobre esse baile. Então, lá vamos nós aprender de novo.

Semana passada fiz minhas duas primeiras aulas de flamenco com uma professora que é amiga do meu vizinho. Resolvi não escolher uma escola famosa por dois motivos: dinheiro e porque é algo muito turístico. Já experienciei que tem gente que ensina dança para alunos que querem fazer passinhos, "aprender rápido" e fazer bonito em um palco. Mas tem os que estão mais preocupados com as raízes do baile em si. Sim, a segunda opção é a mais chata, mas é a que eu prefiro. Como aluna, sou muito chata... Quero saber tudo. De onde veio, porque tem que ser assim, onde nasceu, etc... E essa professora tem essa linha. Mas também tem um gênio horrível. Ela já avisou no começo. Disse que ela vai gritar, que às vezes é capaz até dela xingar porque não conseguimos fazer determinado movimento. Bem, confesso que fiquei meio apreensiva, porque sendo xingada em espanhol eu não vou ter a menor ideia do quanto aquilo é grave. Mas ao mesmo tempo: tá e daí? Vou lá eu ter medo de xingamento?

Então, na primeira aula começamos com Por Tangos (4 compassos). Prática do ritmo. Comemos o primeiro compasso (como a profe de Curitiba já havia me ensinado que tem um compasso que normalmente fica escondido) e fizemos as outras 3 palmas. (1), 2, 3, 4. (1, com o pé), 2, 3, 4 (com as mãos). E lá ia a Nivea tentando coordenar as palmas nos três compassos com a mão... Até que a professora começou a cantar. E a gente marcando o ritmo. (1), 2,3,4. Que lindo ela cantando! Pronto, desconcentrei, uma palma errada... concentra, Nivea... Ok, 2,3,4... Tá, agora vou tentar fazer o 1 com o pé, como ela está fazendo. Outra palma errada. Já estava frustrada – mas ainda batendo palmas – quando a professora vira para mim e pergunta:
Eres zurdo??
Putz, primeira aula e ela já vai me corrigir da pior forma: dizendo que eu não sabia ouvir! Bah. Já levando porrada... Ela pergunta de novo:
Eres zurdo?
Eu: disculpa, profe, no entendi.
Ela: con cual mano escribes? Porque estás haciendo las palmas con la mano izquierda... Yo he visto tu escribir con la derecha...

Ahhhhhhhhhhh. Aí entendi. Ela estava perguntando se eu era canhota. Afinal eu estava batendo palmas com a esquerda. Me orientou, dizendo que eu deveria escolher a mão que fosse mais forte. Falei para ela que a esquerda, naquela situação era melhor, que eu lavava louça com a esquerda e fazia outras coisas relativas à força com ela, enfim, que tinha um relacionamento legal com minha mão esquerda... E, findamos a aula daquele dia.

Humpf. E aí tive mais uma lição de espanhol: zurdo (canhoto), sordo (surdo).

Enfim, sobrevivi à primeira aula com uma baita lição. Humildade para perguntar de novo. Presumir sem perguntar é um prato cheio para problemas graves de comunicação. E aprendizado.

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