Duas semanas de Sevilla


Hoje faz duas semanas que coloquei o pé no continente velho com o intuito de passar 5 meses estudando e fazendo pesquisa. Não tenho registro de ter sonhando a vida inteira com isso, mas confesso que, para quem nunca ficou sozinha na vida, era um momento desejado principalmente neste último ano. Desejado não porque não amo os meus, mas porque essa é a melhor fase da vida-idade-momento profissional para ficar... sozinha. E se puder ficar sozinha descobrindo uma nova cidade, no velho continente, novos autores e teóricos para a sua pesquisa e um novo jeito de viver em que eu não me preocupe com os outros antes de mim, torna-se, então, uma ideia altamente interessante.

Pois então, no dia 3 de outubro eu estava voando de Lisboa para Sevilla depois de uma noite super mal dormida na apertação da poltrona da TAP. Até fotografei o espaço para comentar o quanto acho desumano esses vôos. Eu que não durmo sentada, não tenho muita saída mesmo, mas gente, sou pequena, sou uma pessoa micro e daí fico imaginando quem é maior do que eu, isto é, 90% da população. Devem sofrer pacas.

Mas enfim, cheguei em Sevilla, peguei um taxi com um motorista que para mim vai ser sempre a pessoa mais mal-humorada do mundo e parei no hostel com as trocentas malas. Aproveitei pra tomar um banho e saí a pé pela noite quente de Sevilla para ver se me localizava. No outro dia começava o desafio: encontrar apartamento.

Na quinta-feira, dia 4 eu estava pegando o Transvia, um metrozinho lento que passa no centro, e depois um autobus para ir a Ilha da Cartuja, onde ficava a faculdade que iria passar a maior parte do tempo aqui. O plano era frio e calculista: vou até lá e começo a me decidir, olhando no mapa, qual é o melhor lugar para morar. Já tinha dado uma pesquisada anterior em bairros e distâncias, mas não imaginava que Sevilla era tão pequena de ser “caminhada”. Possuindo em torno de 800 mil habitantes na região central e quase um milhão se juntar os povoados ao redor, é uma cidade relativamente pequena. Tanto que em dois dias de andadas por aí, ainda com todas as ruazinhas que terminam em igrejas, eu já tinha uma noção básica de onde estava – e olha que eu não sou a pessoa mais localizada na vida...


Bem, nessas andanças nos dois primeiros dias conheci colegas da faculdade, andei por tudo ao redor do que seria próximo do campus, porque meu plano sempre foi caminhar até lá todos os dias e, enfim, fiz uma lista de possíveis imóveis a ver. Comprei um cartão de celular daqui e mandei sms pra tudo quanto era plaquinha que eu tinha visto perguntando o valor do aluguel. Explicava que era brasileira e que o espanhol não era grande coisa para ser falado ao telefone assim, pá... E descobri que o sevillano é mais querido do que todo mundo me dizia.

Na sexta vi 3 apartamentos e no sábado me apaixonei pelo que estou morando. Em pleno centro. O vizinho, um juiz solitário, é o meu senhorio e à frente tem uma senhora brasileira casada com um espanhol que está aqui há uns bons 15 anos e se nega a falar espanhol. Ela me lembra muitos hermanos que vão para Curitiba e nunca conseguem falar português, nem o macarrônico...

Mesmo recebendo toda a ajuda dos vizinhos, domingo fiz a mudança do jeito mais engraçado possível. Pegar um taxi dentro do centro de Sevilla é querer ficar dando voltas à toa e pagar à toa também. Então, bem cedo – o que aqui é 8h de um domingo – peguei a mala maior (de rodinhas) e saí caminhando até o apartamento. Umas 10 quadras depois a mala estava lá. Voltei pro hostel e saí com a mala menor. E numa terceira ida, foi a mochila de costas, sacolas e resto de bagulhos que a gente sempre espalha. Eu ria sozinha, imaginando o que os moços da manutenção das lojas – que estavam trabalhando – pensavam quando viam uma mulher indo, vindo, indo, vindo com malas. Enfim, tudo no apartamento era a hora que qualquer mãe que se preze, ainda mais a do Diogo, faxinar. Domingo lavei tudo, descobri meia de inquilino de anos escondida embaixo do armário, moedas, coisas que nunca foram tocadas, enfim. E descobri que faxinar desse jeito é bem brasileiro. A vizinha da frente explicava para o meu senhorio que insistia em dizer que o apartamento estava limpo: “ela é brasileira, meu filho. Vai lavar tudo de alto a baixo...!” Aí descobri que temos uma outra identidade além das bundas... Menos mal, né?

No final da noite morta de cansada, mas com tudo organizado eu resolvi convidar meu senhorio para “unas tapas”. Eu precisava comer algo e ele foi absolutamente gentil me ajudando com pequenos consertos durante a faxina. Fomos pertinho da casa nova e descobri o tal do Salmorejo, uma sopa de tomate fria absolutamente deliciosa.

Na semana seguinte a rotina – que eu queria - começava. 1- Ir para a faculdade todos os dias. No início levei quase uma hora para chegar, hoje já chego em 30 minutos.2 - Passar o dia todo pesquisando, investigando e voltar quando ainda é dia para curtir as crianças brincando com seus pais na Alameda Hércules – se despedindo do verão – e dando uma geral nos céus maravilhosos que sempre acontecem no entardecer aqui do terraço. Porque de nada adianta ter um terraço se você não vai curtir o “lá fora”, né?

Vejo que as casas aqui sempre estão tapadas, escuras, fechadas, para dentro. Penso que tem a ver com o calor escaldante que faz em agosto, chegando a temperaturas de 52 graus... Mas agora, esfriando aos poucos, o sol faz espetáculos maravilhosos!

Comer foi um pequeno problema no início. O almoço da galera aqui é só as 15h, e eu quase morri de fome nos primeiros dias. Depois descobri que a galera toma dois cafés da manhã (já tinham me dito, mas como não vi ninguém indo comer pensei que não era assim) e – olha o segredo do mediterrâneo – o segundo é café ou suco e pão com azeite de oliva. Percebi que o restaurante universitário aqui não chega nem aos pés do da Unisinos (sempre será o meu preferido por todos os séculos, amém) e por isso implementei a marmita. Sim, meus senhores, não há mal algum em levar marmita pra faculdade. Doutores fazem isso também e aderi ao grupo, já que estudo para ser uma... O problema é ficar arrumando a marmita de manhã. É muita coisa pra se decidir enquanto ainda estamos com sono: roupa a colocar, café pra tomar, almoço pra organizar...

Bem, nessa semana dominei as redondezas conhecendo todos os mercadinhos e resolvi inventar de fazer o tal do Salmorejo e um ugly cake para a vizinha brasileira. O meu senhorio aprovou e repetiu o Salmorejo (depois coloco a receita) e a vizinha ficou toda feliz com o ugly cake de chocolate. É, eu sei, continuo pensando nos outros. Mas beeem menos. :)

Dia 12 de outubro aqui se comemora a hispanidade e toda a matança que aconteceu na américa. É feriado. E talvez por descobrir o que se comemora aqui, eu nunca mais vá fazer tanta reverência a essa data. Porque, afinal de contas, quem foi que inventou que era dia de Nossa Senhora Aparecida justo o dia que Colombo aportou nas Américas, hein?

Neste feriado saí caminhar com duas brasileiras que estão aqui há 7 anos – uma tem um blog super útil de dicas daqui e as duas são arquitetas. A outra é casada com um sevillano e tem um cachorro chamado Mopa muuuuiito engraçado. É uma enorme bola de pelo que traz uma bolinha colorida para você jogar. Parece o floquinho de tão peludo. Tanto que um menininho perguntou na rua se o cachorro tinha olhos... Fomos de Triana para um parque chamado Prado, onde está acontecendo a Feira das Nações.



No sábado – primeiro na minha casa nova – implementei meu plano de fazer explorações aqui perto. Fui ao Parasol ou como chamam aqui, seta (fotos abaixo) que tem um museu fabuloso embaixo de coisas romanas encontradas embaixo da praça onde foi construída a seta. Dá para ver os visitantes subindo lá do terraço daqui de casa de tão perto.


Depois fui a uma feira de economia solidária e trocas em frente a uma casa chamada Pumarejo. O movimento existe há mais de 10 anos e merece um post só para ele. Na verdade é um conjunto de movimentos sociais que inventaram uma moeda social, o Puma.


Domingo encontrei com a minha professora de Flamenco de Curitiba que tinha ido a Madrid com uma das alunas avançadíssimas fazer um curso. As duas vieram visitar Sevilla e ficaram maravilhadas com tudo. Junto com elas fui checar a Catedral – que compete com a Basílica de São Pedro de Roma como a maior do mundo e a Plaza da España, construção fabulosa onde estão diversas repartições do governo.


Enfim, na segunda-feira depois das minhas trocentas horas de estudo, recebi as duas visitantes para a primeira janta aqui. Fiquei feliz de poder receber no meu micro-universo.

No fundo, mesmo que a gente queira ficar sozinho, não dá. As pessoas ficam aqui dentro da gente. E por isso que tenho me sentido tão bem. Estamos todos interligados. Dalai Lama tem razão: uma borboleta não bate as asas sem causar um efeito do outro lado do mundo. Bem, isso significa que toda energia boa que estou vivendo aqui deve estar vindo dos meus amados que estão do outro lado do oceano e espalhados pelo mundo, não é?

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