Sobre amar duas pessoas - guest post

Eu tenho uma amiga que não é muito próxima mas tem vivido umas experiências alucinantes de autodescobrimento e de saber seu valor e seu lugar no mundo... Ela é outra que está vendo muuuuiiittoooosss significados em vários lugares na vida dela, e por isso resolveu transformá-los em textos. Pedi para dividir com os leitores. E está aí o texto (e os sentimentos) que a Madalena Nada Arrependida resolveu partilhar...

De todas as qualidades que encontro naqueles com quem me relaciono, cada vez mais tenho valorizado a leveza. Sabe aquelas pessoas que tem o dom de fazer o tempo parar e os problemas ficarem em segundo plano? Pois é. Talvez a minha recém-encontrada atitude em relação à vida e à humanidade tenha algo a ver com isso, mas o fato é que essas pessoas vem cruzando meu caminho com cada vez mais frequencia. E acabo me apaixonando por algumas delas, especialmente porque paixão - e não mais uma pura e simples necessidade de sobrevivência - vem sendo minha força motriz de uns tempos pra cá. E, claro, porque poucas sensações são mais deliciosas do que o bater frenético das asas das borboletas no estômago.

O primeiro me encontrou em um momento de transição. Eu não sabia muito bem quem eu era, se é que era alguém. Estava anestesiada e sem referências quando fui, a pedido de uma amiga, buscá-lo no aeroporto. Claro que o fato dele ser lindo, alto, extremamente inteligente e divertido contou (vários!) pontos, mas foi a leveza que me fez abrir a guarda e querer ficar mais naquela companhia. E, assim, cada vez mais fui conhecendo, admirando e me apaixonando por ele. Coisas demais em comum - livros, filmes, músicas, ideias, projetos -, mas ainda com tanto espaço para o debate. Alguém que sempre tem algo interessante a acrescentar, a quem se pode pedir conselhos, com quem eu sempre aprendo alguma coisa e acabo rindo até perder o ar. Alguém que tem o dom de fazer o tempo parar, encanta com a conversa e enlouquece com o silêncio - e me fez descobrir que orgasmos múltiplos não são só coisa de artigo da revista Nova. Como é que se resiste a um homem desses?

O segundo me encontrou em um momento de euforia. Eu não sabia muito bem o que queria da vida, mas já tinha uma ideia muito clara do que não queria. Estava com sono e uma leve ressaca quando fui, junto com a mesma amiga, encontrá-lo no pé do morro. Claro que o fato dele ser lindo, alto, extremamente empolgante e engraçado contou (vários!) pontos, mas foi a leveza que me fez aceitar o convite pra uma cerveja e acabar a noite com ele na minha cama. E, sem eu esperar, veio o tal telefonema no dia seguinte. E no outro. E acabei por conhecê-lo e admirá-lo cada vez mais, e por me apaixonar por ele. Coisas demais em comum - músicas, lugares, ideias, projetos, sonhos - , mas ainda com tanto espaço para compartilharmos dúvidas. Alguém que desde o primeiro momento me fez sentir tão livre quanto contraventora e me faz rir até perder o ar. Alguém que me faz deixar os problemas em segundo plano e me fez descobrir que sim, madrugadas inteiras acordada podem me fazer sentir melhor e mais relaxada do que a mais bem dormida das noites. Como é que se resiste a um homem desses?

Escolha um.

Um me recebe na casa de outra pessoa. Faz mil planos para a minha chegada, se preocupa em fazer tudo ser perfeito, divide comigo os amigos novos e antigos, me leva aos lugares mais sensacionais que conheceu. Cachoeiras, trilhas, escaladas, os rios, o interior, as montanhas, forró, cachaça, cuscuz com leite condensado. Queremos mais um do outro. Fazemos planos para a próxima viagem. Eu vou embora levando pessoas novas, incontáveis e hilários "causos" e sete quilos de bagagem que eu mal vi de onde surgiram. Ele liga a cada hora para saber se está tudo bem, se eu peguei mesmo o ônibus que ele queria que eu perdesse, se a estrada está tranquila, se o avião está no horário - e diz, sério como poucas vezes eu vi, que é para eu me cuidar porque eu sou importante demais na vida dele e que o mundo está aí, esperando por nós.

O outro me recebe em casa. Faz mil planos para a minha chegada, se preocupa em fazer tudo ser perfeito, me leva aos lugares mais sensacionais que conhece, vai comigo descobrir coisas novas. Show de uma das minhas bandas preferidas, o bar mais cool da cidade, a geografia sócio-cultural da capital, o interior, a montanha, jazz, vinho, fondue. Queremos mais um do outro. Fazemos planos para o próximo show. Ele vai embora e me deixa a chave da casa, a geladeira cheia da nossa cerveja preferida, o computador à disposição - não tem senha, fique à vontade -, a carona para o aeroporto. Liga do aeroporto para ver se eu preciso de alguma coisa, diz que já está com saudades e pergunta quando é que eu volto, se é que ele não vai me ver "no sul" antes, diz que eu devia ter ido com ele e que me liga que assim que pousar para falar sobre as primeiras impressões da viagem - é, tem quem se expresse melhor por gestos do que por palavras, simples assim.

Tem mesmo que escolher só um?

A mesma amiga maravilhosa em comum, o mesmo frio na barriga, o mesmo riso descontrolado. A mesma paixão por Pink Floyd, com direito a discussões filosóficas divertidas sobre The Wall. A mesma leveza, a mesma inconsequencia, o mesmo sorriso no canto dos lábios e os mesmos bocejos satisfeitos no escritório no dia seguinte.

Dois momentos diferentes. Duas formas diferentes de compartilhar loucura e demonstrar confiança. Dois aprendizados diferentes sobre o outro, sobre as insanidades, profundidades, medos e inseguranças que fazem de cada um um ser único. Aprender que o amor é livre. Aprender que o amor independe de distância. Aprender que entrega não é fraqueza. Aprender, de diversas formas diferentes, que cuidado, carinho, admiração e respeito são componentes inseparáveis do amor. Que amar é se sentir mais completo porque o outro existe e porque as nossas vidas se cruzaram. E, ao mesmo tempo em que as borboletas voam alucinadas, tudo continua sendo leve e o tempo continua fazendo a gentileza de parar para que a gente possa rir e ser feliz.

Comentários