É...
Aeroporto de Porto Alegre. Espero o ônibus de um terminal a outro sozinha, no escuro. Tento me recuperar de uma overdose de conceitos metodológicos buscando minha auto-estima em algum lugar escondido.
Luciana atravessa a rua e me pergunta:
- vai demorar?
- acho que não.
- Preciso esperar uma “pessoa”que vai chegar.
Observo. Maquiada, de terninho e bolsa social. Ela olha pra mim e, de novo, pergunta:
- você me ajuda a colocar o meu casaco?
Olho com estranheza. Ela tem os dois braços mas não pode erguê-los. Já ajudando-a, não me contenho:
- você machucou o braço? (depois notei a idiotice da pergunta...)
- Não, coloquei silicone.
- hum... Dói?
- Dói. Dói muito. Tive dois filhos de parto normal e não doeu tanto.
- Um dia eu pensei em colocar silicone. Mas não queria aumentar nada. Só dar uma levantadinha.
- Ah, mas você tem.
- Tenho nada. Quanto você colocou?
- 400 ml.
Olho assustada. Mulher pode olhar pro peito de outra mulher sem salameleque. O interesse é sempre puramente científico.
- É, eu tinha nada.
- Pois é. Mas deve incomodar, né? Faz quanto tempo que você colocou?
- Uma semana.
- hum.
- E você? Está indo pra onde? - olha pra mala.
- Pra casa.
- hum. Não é casada, né?
- Não, já larguei dois maridos.
- Hum. Deve trabalhar um monte, né?
- É. – pensei: minha cara deve estar denunciando tudo... Devo estar um trapo.
- E estava fazendo o que aqui?
- Estudando. Doutorado. Pensei em continuar: "você não imagina como foi hoje a discussão..." Esperando uma cara interessada e que fizesse reverência a importância da informação, mas ela me olha como seu eu tivesse falado grego:
- Ah.
- Pois é, e você?
- Ah, eu estou “between jobs”.
Aí a cara de paisagem foi minha.
- Ah.
No ônibus ela dispara:
- Doutorado deve ser difícil, né? E imagino que você deva trabalhar também, não é? (assenti) Você precisa tirar um tempo pra você. Nem que seja duas horas por semana para uma academia, para dançar... Senão você vai envelhecendo e olha pra trás e vê que só trabalhou.
Olho pra ela e assinto com a cabeça absolutamente estupefata.
- Vou te pedir mais uma coisa: vocë tira o meu cabelo do casaco?
Eu tiro. E entro no ônibus em silêncio pensando que o maior conceito do dia foi dado por uma desconhecida.
Aeroporto de Porto Alegre. Espero o ônibus de um terminal a outro sozinha, no escuro. Tento me recuperar de uma overdose de conceitos metodológicos buscando minha auto-estima em algum lugar escondido.
Luciana atravessa a rua e me pergunta:
- vai demorar?
- acho que não.
- Preciso esperar uma “pessoa”que vai chegar.
Observo. Maquiada, de terninho e bolsa social. Ela olha pra mim e, de novo, pergunta:
- você me ajuda a colocar o meu casaco?
Olho com estranheza. Ela tem os dois braços mas não pode erguê-los. Já ajudando-a, não me contenho:
- você machucou o braço? (depois notei a idiotice da pergunta...)
- Não, coloquei silicone.
- hum... Dói?
- Dói. Dói muito. Tive dois filhos de parto normal e não doeu tanto.
- Um dia eu pensei em colocar silicone. Mas não queria aumentar nada. Só dar uma levantadinha.
- Ah, mas você tem.
- Tenho nada. Quanto você colocou?
- 400 ml.
Olho assustada. Mulher pode olhar pro peito de outra mulher sem salameleque. O interesse é sempre puramente científico.
- É, eu tinha nada.
- Pois é. Mas deve incomodar, né? Faz quanto tempo que você colocou?
- Uma semana.
- hum.
- E você? Está indo pra onde? - olha pra mala.
- Pra casa.
- hum. Não é casada, né?
- Não, já larguei dois maridos.
- Hum. Deve trabalhar um monte, né?
- É. – pensei: minha cara deve estar denunciando tudo... Devo estar um trapo.
- E estava fazendo o que aqui?
- Estudando. Doutorado. Pensei em continuar: "você não imagina como foi hoje a discussão..." Esperando uma cara interessada e que fizesse reverência a importância da informação, mas ela me olha como seu eu tivesse falado grego:
- Ah.
- Pois é, e você?
- Ah, eu estou “between jobs”.
Aí a cara de paisagem foi minha.
- Ah.
No ônibus ela dispara:
- Doutorado deve ser difícil, né? E imagino que você deva trabalhar também, não é? (assenti) Você precisa tirar um tempo pra você. Nem que seja duas horas por semana para uma academia, para dançar... Senão você vai envelhecendo e olha pra trás e vê que só trabalhou.
Olho pra ela e assinto com a cabeça absolutamente estupefata.
- Vou te pedir mais uma coisa: vocë tira o meu cabelo do casaco?
Eu tiro. E entro no ônibus em silêncio pensando que o maior conceito do dia foi dado por uma desconhecida.
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