A Elsa e os tipos de frozen


Neve. Não me lembro se já falei dela porque já planejei tantas vezes fazer essa postagem que ela deve ter se materializado na minha cabeça mas nunca no papel ou tela.
O significado do meu nome é branca como é neve. Tanto que quando está nevando, dizem que o tempo está níveo, de neve.
Pois bem, por um tempo, eu dizia que era como se fosse uma maldição, porque eu nunca consegui ficar bronzeada, pegar uma ótima cor no sol. Na verdade, eu também não gosto de ficar torrando no sol, nunca tive paciência, mas gostava de por a culpa nos meus pais por não pegar um bronze. Era para eu ser branquela mesmo.
Eu também nunca tive muita experiência com neve. Até 2016. Era como se eu fosse a neve. Onde eu estava, não nevava. Foi assim até vir morar no Maine, porque, né, aqui a neve é eterna.
E tenho alguns causos para contar sobre isso mais à frente.

Ela apareceu em Curitiba nos idos de 1975. Eu tinha um ano. E essa foi a única neve de poder tirar fotas na cidade até hoje. Aliás, uma das poucas fotas que tenho de quando era bebê - porque roubaram os álbuns da minha mãe junto com o carro da garagem.

Seu Rogério e eu embaixo de todo aquele cobertor.
Aí vivi sem neve por uns bons 40 anos. Só uns frios do "djanho" mesmo, ou geadas. Mas neve mesmo, branquinha e fofinha, nada.
Corta para 2012. Fui para Sevilla, sul da Espanha fazer parte do doutorado. Era inverno, mas lá não neva, como não neva em Curitiba, no Brasil. Você só passa frio. Mas eu prometi que iria visitar alguns amigos pela Europa, já que é tudo meio pertinho mesmo e pensei que podia ver a neve...

A primeira foi a Ana em Bruxelas. Ela foi para Sevilla e fomos juntas a Bruxelas. Havia então a previsão de um frio horrível (-1) e... neve! Eu estava preocupada se não ia morrer congelada e a Ana me disse que tinha umas calças todas recheadas, tipo de astronauta, se eu precisasse. Fiquei mais calma. Chegamos lá e... céu azul. Estava um frio que merecia uns waffles belgas (mentira, estou usando como desculpa), mas nada de neve, nem um floquinho que fosse.
O nariz vermelho era de frio mesmo. 

Voltei a Sevilla. Próxima visita era a Roma, ia ver o Pe. Gilson junto com a Vanessa que estava estudando em Lyon. Pois bem, nas nossas preparações, reserva de hostel e tals, Gilson avisa:
- vai ter neve quando vocês chegarem. E os romanos em geral ficam bem malucos quando tem neve. O metrô pára, cancelam um monte de coisas, histeria toma conta das italianada, maggari!
Respondemos que estava tudo bem. Brasileiro já nasce com um kit de sobrevivência para qualquer merda que venha pela frente, inclusive romanos estressados pela neve.
Pois bem, desci do avião, noite escura mesmo, peguei os trens recomendados para ir para o hostel e era um tal de muito sal espalhado para todo lado. Muito sal nas calçadas. Um frio de congelar os ossos, eu encapotada até os cabelos, mas nada de neve. Nos dois dias que se seguiram pegamos uma garoazinha bem tímida em Assis. E só.
Vanessa e Pe. Gilson na garoa de Assis. Nada que desamine essa trupe.

Voltei para Curitiba e em agosto de 2013 teve um frio daqueles e, pasmem, por dois segundos caíram umas coisas brancas do céu. NA MINHA CASA. Vi da janela. Teve carro que parou na rua. São Pedro falou logo: "Já deu. Dois segundos é mais do que suficiente para ter neve em Curitiba. Eles merecem passar só frio senão ficam mais cheios do que já são com essa coisa de ser europeu."
Rua Paranaguá, Curitiba

Araucárias na Av dos Estados

Pois bem, a coisa começou a mudar quando fomos ao casamento do Jeremiah, no Colorado em outubro de 2013. Lá tinha nevado. Tinha neve por tudo onde andamos. Uma neve seca, que parecia grão de areia porque voava no vento. Um frio daqueles, também. Passeamos pelo Estes Park e mesmo com a dor de cabeça que a altitude às vezes provocava, o cenário era lindo. Tinha neve para todo o lado no chão, nas árvores... E começou a nevar!!!!!!!
Jeremiah virou para mim e disse: - tecnicamente então essa é a sua primeira neve caindo, não é?
Era.
Eu fiquei maravilhada. Eu pisava nos flocos de neve curtindo o barulho crunch-crunch que a bota fazia em cada pisada. Depois eram os floquinhos caindo e desaparecendo na jaqueta. Era mágico mesmo.
Bear Lake
Crunch na neve

A primeira de milhares de fotos de esquilos

Em 2016 mudei para Bar Harbor e aí foi a última vez que usei minha mágica nivística de evitar a neve. O tio do marido, sabendo da maldição, que onde eu estava não nevava disse que ia me amarrar para sempre em Bar Harbor. Porque neve é bonito, mas também é uma esculhambação no dia a dia, que quem vive isso sempre facilmente escolheria não ter que enfrentar.

Naquele inverno nevou um pouco em dezembro e a temperatura subiu o suficiente para derreter tudo. Em Janeiro, marido foi para Portugal fazer residência e eu fiquei. Nada de neve. Nadica de nada. Amigos explicavam, na teoria, o que eu iria enfrentar. Que havia diferentes tipos de neve. Às vezes tinha a tal da freezing rain, que é quando o chão está mais frio que o céu e a água cai água mas vira gelo assim que toca alguma coisa. Inclusive havia árvores que "explodiam" porque a água dilatava rápido virando gelo. Eu ficava só imaginando. Sem ver nada, porque não teve neve naquele janeiro inteiro.
Grant Park - jan 2017

Shore Path - jan2017

Agamont Park - jan 2017


No final do mês marido estava voltando e fui de carro para Portland para buscá-lo no aeroporto. Foi a primeira neve que caiu em Bar Harbor em 2017. O tio do marido até hoje me acusa de ter deixado a neve chegar. Eu não deveria ter saído dali, segundo ele.

Depois disso minha maldição ou mágica, nunca mais funcionou. Nevou. Nevou muito. Pilhas, montanhas, inches, feet, como eles medem. Chegamos a ter neve até a cintura quando duas tempestades vieram uma atrás da outra (provo com fotos). E a partir daí comecei a entender porque a neve pode não ser tão fofa e bonita o tempo todo.
Caminho cavado.

Acumulação nos móveis de verão...

Marido abrindo caminho na frente do Inn

Eu, no caminho, pra mostrar a quantidade de neve que caiu

Quem não cresceu com invernos assim nunca imagina os efeitos colaterais daquela beleza branca.
Uma primeira informação: o chão congela. Com chão congelado, esqueça fazer buraco qualquer na terra. Não se planta nada, não se fixa estacas de sinalização. Não há como. Mas pior que isso, não se enterram os mortos! Isso mesmo. Como você vai cavar em uma pedra de gelo? Não tem como. Então galera guarda os corpos em freezer (o que nem era necessário já que lá fora é um freezer) e enterra só na primavera/verão. Por essas e por outras que funerais ou memorials são feitos às vezes muito tempo depois da pessoa morta. Galera acostumou a esperar para enterrar, acho eu.

Outra questã prática: nem pensar em deixar água nos canos de uma casa sem aquecimento. Essa é uma preocupação constante quando os aquecimentos quebram. Porque é dois instantes para a água congelar e estourar os canos provocando vazamentos e desastres incalculáveis no meio das paredes das casas.

Agora, outra coisa que é absolutamente nova para quem nunca viveu isso é a quantidade e variações de tipos de neves e de tempestades. Elas são detalhadamente monitoradas e descritas pelos homens e mulheres do tempo, porque elas definem se vai ser seguro para você ir ao trabalho ou não, se você precisa comprar uma pá nova ou não para cavar seu caminho para sair de casa. Sim, tem neve que pode cobrir as portas e você não sai de casa de jeito nenhum.
Resultado de uma das tempestades em Bar Harbor

Minha janela do quarto metade coberta pela neve

Cadê o carro?

Dirigir então, é de um cagaço master. As estradas viram um sabão com um pouquinho de neve e se tiver mais, você atola seu carro como se estivesse num monte de lama. O carro não anda.
Eu cheguei no Maine (no verão) julgando todo mundo pelo desperdício de terem tantas caminhonetes. Achava um absurdo galera comprar carrão enorme para uma pessoa só dirigir. Quando veio a primeira nevasca eu entendi perfeitamente. Num estado que tem a possibilidade de ter neve por uns 6 meses, ter um carro alto e potente é uma questão de segurança, ainda mais se você precisa dirigir por horas para chegar no trabalho como muita gente faz.
Aliás esqueça caminhar frivolamente na rua. Em temperaturas abaixo de -10 C você corre o risco de congelar e perder seus dedos ou outras extremidades que não estiverem protegidas. É o tal do frostbite. Nem preciso contar a dor lancinante que é esquecer a luva em um dia desses quando você caminha a cã. Dá um desespero tão grande que você é capaz de bater na casa do vizinho só para entrar e se esquentar um pouco.

Junto com neve e frio, há uma gradação de efeitos atmosféricos que misturam vento, variação de temperatura e o estado físico da água. Precisa-se de um glossário para poder entender o que o pessoal anda prevendo para os próximos dias.

Começo o glossário com o que aconteceu ontem. Na verdade aconteceu outras vezes mas eu não tinha uma visão tão privilegiada como tenho agora dos efeitos da freezing rain. Janelas grandes são ótimas para essas observações.
Então, anteontem nevou normal. Floquinhos brancos e leves caindo por tudo. Super fofo, leve, fácil de assoprar de cima do carro se não fosse a acumulação de 7 cm no topo. Mas, fácil de tirar. Acontece que depois da neve, veio chuva. Pois é. A temperatura lá em cima no céu mudou, mas daqui de baixo não. Então tinha uma pilha de neve em tudo e a água que veio por cima fez uma casquinha, porque derreteu parte da neve. Isso aconteceu nas árvores, nos fios de luz, nos carros, na estrada. Gelo. Tudo virou gelo por fora. E gelo escorrega. 90% dos negócios fecharam ontem em Brunswick por conta da segurança. Por mais que se jogue muita areia em cima dese gelo para criar atrito, a situação é muito perigosa. E da janela vi porque. Depois de um tempo de chuva, grandes canudos gigantes de gelo caíam dos fios de luz. Como se fossem pesados galhos transparentes. Pedaços imensos de gelo se descolavam da beirada das casas e das árvores e caíam como cacos de vidro. E no chão ficavam como cacos de vidro mesmo. Mas era água.

Árvore recoberta de gelo e os stalagmites de gelo do teto da casa.

Cadeiras cobertas de pedaços de gelo

Isso é um arbusto baixinho. Se tocar se quebra porque está revestido de gelo.

A neve que parou nas ranhuras da árvore virou gelo.
Continuando nosso glossário há o sleet. Sleet é quando a neve e a chuva decidem cair gelo. Essa mistura acontece na queda e fica uma coisa parecida com granizo (hail), mas é mais granulada. Tipo um smooth feito de água e gelo. Aqui tem um exemplo do que é a precipitação de sleet. É bem rara por isso achei um vídeo para mostrar:




Aí você está se perguntando, então qual é a diferença de sleet e hail (granizo)? Achei aqui uma explicação interessante:



A próxima parte do glossário é a blizzard. Você pode confundir com storm (tempestade) mas a blizzard é uma tempestade de neve com vento forte, que vem de tudo quanto é lado e você engole neve, tem floquinhos no olho, dentro do ouvido, enfim, é uma tempestade irritada.

Já a storm (tempestade) de neve pode ser bem quieta e calminha. Por várias vezes que previram tempestades no inverno por aqui ficava um silêncio imenso lá fora. Não é como chuva que a gente ouve cair. Neve é bem quieta. E muitas vezes você vai dormir com tudo limpo lá fora e acorda com a sua janela parcialmente coberta com a neve que caiu silenciosamente durante a noite toda.

Aí tem também o flurry. É quando cai uma penugem de neve. Tipo quando não dá nem por gasto. Mas não se engane. Se você estiver dirigindo e uma camada pequenininha de neve cai, já pode ser o suficiente para tudo virar um sabão e o carro derrapar fácil.
A penugem de neve no chão

uma poeirinha nivística é chamada de flurry

E por fim vou falar dos dois que mais me apavoraram. O squail e o black-ice. Fui apresentada ao squail quando fomos para Connecticut e estava um frio de -15. Dividimos a direção do carro e na segunda parte da viagem eu fui dirigindo porque tínhamos uma pequena tempestade na primeira parte. Pois então. Posso parecer toda corajosa, mas quando se trata de dirigir na neve sou a velhinha que anda a 10 por hora e forma uma fila atrás dela. Como não tenho o costume de olhar a previsão do tempo - falta de hábito mesmo - eu não sabia que na segunda parte da viagem poderíamos ter o tal do squail. E marido ficou bem quietinho. Então lá estava eu numa estrada que nunca passei na vida, já anoitecendo e aparece neve  assoprando de uma hora para outra. De todos os lados. Com vento. Como se fosse uma emboscada. Aí você diminui a velocidade porque frear é pedir para brincar de ski com o carro, e tenta ir a 5 por hora para ninguém bater na sua traseira. Cagaço é pouco para explicar. Por isso vai vídeo.



O black-ice é uma fina camada de água que se acumulou entre as ranhuras do asfalto e congelou durante a noite. Não dá para ver. Não dá para prever. Não dá para evitar. Não dá para remediar. Se os quatro pneus do carro passarem por algo assim você não freia, não acelera e não vira o volante. Só reza. Sabe porque? Por que não vai adiantar. O carro não responde. Show, né? Pois então, só de pensar em isso acontecer comigo dá três tipos de arrepio na coluna. Vi na minha frente acontecer. A mulher rodou como peão e foi parar na cerca protetora. O problema era todo mundo ao redor conseguir parar, mas alguns conseguiram e a socorreram. A moça estava mais transparente que um fantasma. Também, pudera. Aqui um exemplo mais tranquilo de black-ice.


 Então, da próxima vez que você for pensar como o argentino de Santa Cruz, "que linda es la nieve", pensa em tudo isso que contei. E entenda que a Elsa, personagem da Disney que controla tudo isso, mora lá longe, na ficção.



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