WWOOF –Itália – a viagem

Saímos de Curitiba ao meio dia, chegamos em Guarulhos às 13h e às 16h estávamos embarcados no vôo da Alitália. Eu tinha esquecido o quanto os aviões são apertados.  Impressionante como a gente apaga memórias ruins. Pois bem, pessoa que enjoa fácil e que não dorme como eu, acabei ficando na janela. Marido do lado e apresentador do Sportv na ponta. Quando entramos no avião, vi a câmera no bagageiro, pedi para ajustar no espaço para colocarmos a mochila e me acomodei. É impressionante de apertado um avião, porque a senhora da frente, sem senso algum de conveniência, deixou a poltrona para trás. Eu que tenho tamanho compacto não conseguia passar, imagina o marido. Pois bem, a irritação – eu sempre me irrito com a fauna que viaja sem ter noção de civilidade – só tinha começado. Uma senhora resolveu discursar em alto e bom som o quanto os aviões desrespeitavam o bem-estar das pessoas, que ela viajava muito, que se tinha que esperar isso ou aquilo... Enfim. E eu ouvindo o sermão e tentando dormir com o dramin que eu tinha tomado.

Veio o jantar, comi e, na hora, percebi que não caiu bem. Ou era muita gordura, ou estava muito apertado, não tenho certeza, mas o resumo da ópera é que comecei a passar mal. Não era só o enjôo de viagem, sempre companheiro de turbulências em geral, era realmente dor de estômago. E eu espremida na janela, tendo que pedir para marido e apresentador do sportv para sair se eu precisasse. Me agarrei ao saquinho do vômito e tentei controlar as cólicas com a mente. Não deu. Pedi permissão (com várias desculpas) pro moço sair, pulei o marido que tentava dormir e fui colocar o dedo da garganta. Não vou entrar em detalhes, mas meu desejo era tirar tudo dali. Fui pro fundo do avião pedir um pouco de coca – que, na minha opinião, só serve para isso: estabilizar estômagos irritados – tomei, e fui caminhar. Estava tudo doendo. Um bom número de gente estava andando pelo avião, conversando em grupos. O que fez a comissária dizer no alto faltante que era bom todo mundo ir para seus lugares que haveria uma turbulência. Lá fui eu pedir pro moço levantar, pulei o Greg e me apertei de novo na janela. E o estômago super reclamando. Nada de turbulência.
Resolvi dizer ao meu corpo que quem manda sou eu e tentei dormir. Nada. A posição espremia uma barriga que já estava em um super mal-humor. Fui ao banheiro de novo. Aí saiu a coca, o restinho de coisas que estavam incomodando e deu hipotermia. Fui aos comissários que só falavam italiano, explicar que eu precisava de água, porque não estava bem.  Expliquei em um italiano macarrônico que estava “male”, que “ho vomitado”. Deram água. A coisa foi se ajeitando. Mas o super frio me dizia que eu precisava comer algo. E o medo de ter que fazer tudo sair de novo? Veio o café da manhã antes de uma hora para pousar. Pensei que podia comer e daria para segurar até o avião chegar. Deu certo. Estabilizou tudo como se nada tivesse acontecido. Conversei com o moço da Sportv, pedi mil desculpas. Ele, muito educado, falou que não havia problema, e contou que a equipe estava indo para perto de Jerusalém cobrir uma maratona. De Roma seriam mais 3 horas de avião e um pedaço ainda de ônibus.

Isso me fez pensar no que ainda tínhamos pela frente. Eram 7 horas da manhã em uma Roma com 6 graus centígrados. Eu não tinha dormido nada e tínhamos o dia todo de viagem pela frente...

Em Roma tudo foi tranqüilo. Passamos pela segurança de novo, imigração um pouco cheia demais, mas sem sobressaltos. Fomos para o portão que indicava Veneza, embarcamos e eu consegui dormir um pouco no voo de uma hora. Chegamos em Veneza às 9h e o trem para Rovereto era às 14h. Pegamos as bagagens, carreguei um pouco o celular, avisei a galera no Brasil que estava tudo bem e fomos para o ônibus que levava para a estação de trem, o ATVO. Quarenta minutos depois, estávamos na Piazza Roma em Veneza. Pegamos as malas pesadas – metade da do Greg era equipamento de escalada – e fomos para a ponte que deveria ser atravessada para a estação de trem. Degraus. Vários degraus. Sem rampa. E cada um levando uma mala de 20 e poucos quilos. Chegamos esbaforidos na Estação Santa Luzia, validamos o bilhete já comprado no site da Trenitalia e fomos guardar as bagagens para caminhar um pouco. Naquele nível de cansaço, só se mantendo em movimento para evitar o sono profundo em um banco de praça. Veneza, à primeira vista, é realmente encantadora. O que estraga são os trocentos turistas de todas as nacionalidades falando alto, tirando foto de tudo. Conseguimos encontrar umas vielas quietas ao redor do canal da estação de trem. Pegamos um mapa para dar uma olhada no que visitaríamos na volta, já que teríamos pelo menos algumas horas antes do voo de volta para dar uma olhada na cidade. Eu decidi que queria pegar o tal barco-bus. Ali, ambulância é barco, sala de estar de alguns hotéis é barco, caminhão de entrega de produtos é barco. Vimos uma das gôndolas dessas de filme, cheias de fru-fru, mas como todo bom turista anti-mainstream, vamos passar essa. Muito comum.

Vista de um dos canais.

Uma das gôndolas tradicionais.

Almoçamos. E tudo correu bem graças às aulas de italiano e às dicas da professora. Pedimos um primo prato e um secondo prato com peixe. Tudo gostoso, mas eu ainda estava desconfiada do estômago.

Uma hora pra o trem sair, fomos pegar as bagagens e nada da plataforma ser avisada no visor. Gringo nervoso. Eu dizendo: meu, qualquer coisa a gente pergunta, a estação não é tão grande assim. Encontramos o trem 86 (o nosso, que tinha como destino final Munique, na Alemanha) bem na nossa frente, perguntamos por meio de mímica ao moço alemão se precisávamos validar o bilhete do trem em alguma máquina, ele disse que não. Procuramos o nosso lugar. Tínhamos uma salinha de 4 poltronas para a gente. Coisa fina. Com a reserva colocada em um papelzinho na numeração na parede. Tudo organizado. Ainda assim, as malas eram grandes demais para ficar ali no meio da salinha. De novo fui falar com o moço alemão para deixá-las no lugar onde se coloca bicicletas, porque não havia lugar para malas grandes como as nossas em outros cantos do trem. Acima das cabeças era loucura colocá-las... Se caíssem matavam alguém. O moço falou que não havia reserva para as bicicletas, logo poderia colocar ali. Bom!
Comendo e tentando manter o olho aberto...


Fomos para a nossa salinha e eu queria abraçar e apertar o trem. Como eu amo andar de trem. Por mim passaria minha vida toda viajando só de trem. Espaço pra sentar, para colocar as pernas, nada de ficar enjoada, contato com as paisagens, pouquíssimo barulho. Tudo de bom!
O sono foi chegando mas o medo de perder a estação que devíamos descer foi muito maior. Não há escândalos ou dois avisos quando o trem para em uma estação. Então tínhamos que estar atentos para pegar as malas, abrir a porta e sair com aqueles pesos.
Uma das cenas da janela do trem

Chegamos em Rovereto às 16h e, para pegar o ônibus para Riva del Garda, precisamos descer por escadas com as malas pesadas (e cadeirantes, minha gente???) em um túnel para sair do lado de fora da estação de trem e pegar o ônibus. 40 minutos depois ele chega. Ficamos batendo papo com uma promotora de feiras e exposições no ponto de ônibus, falando dos respectivos países. Pela fala dela já percebi que Trento é tipo o sul do Brasil. Ali tem uma galera que se diz austríaca ou que não se sente muito italiano, parte do restante. Adriana, a moça, disse: “para ir para Roma, são oito horas de carro. Para a Áustria, uma hora e meia. As pessoas crescem aqui bilíngues, ainda hoje, falando alemão e italiano”. Não vi sinais de trânsito bilíngues (naquele dia, depois eu vi vários....) mas boa parte dos rótulos dos produtos no mercado trazem as instruções em italiano e em alemão.

Pegamos o ônibus entupido de adolescentes. Era saída da escola. Choquei com os estilos exagerados, piercings, cabelos coloridos... Achei que isso era exclusivo de adolescentes de grandes cidades. 40 minutos depois (tudo nessa viagem é múltiplo de 40 minutos) chegamos a Riva del Garda. Era 5h30 da tarde. Marco, o woofer que iria nos buscar para levar a Tenno  - e que falava inglês - chegou. Eu, pensando que era um senhor vizinho da fazenda dos nossos anfitriões, encontrei um piazão com a idade do meu filho, falando um inglês macarrônico com molho misturado com um italiano de Roma.

Sobe montanha, trocentas curvas depois, sobe, sobe, sobe com o Peugeot correndo e a vista foi ficando fantástica. Chegamos na vila de Tenno, encrustada na montanha,  com um monte de edifícios de pedra. A poucos metros via-se outras vilas, em meio a paredões enormes de montanhas, branquinhas de neve no topo.  Marco explicou que são todos paesinos (que é meio que um vilarejo ou comunidade, mas mais formal) pertencentes à Trento. Alguns possuem três ou quatro casas somente, disse ele.  Entramos no pequeno apartamento onde ficaríamos e a espinha arrepiou até o cabelo. Se a temperatura fora estava perto dos 4 graus, dentro estava 5 graus. Marco deu algumas instruções com palavras escolhidas de cada idioma, mostrou o aquecedor, o chuveiro, etc e disse que iria nos buscar às 19h30 para a janta. Era 18h. Resolvi fazer o que sei fazer bem: limpar. Precisava me sentir em casa. Greg foi ligando as coisas que deveriam estar quentes – tambor de água para o chuveiro, aquecedor, mas pelo que ele disse, tudo ia demorar um pouco para esquentar...
Vista da casa do anfitrião para nosso vilarejo, Tenno.
A porta de entrada para nosso pequeno apartamento. Nossa casa por uns 15 dias.
Nossa casa dentro. Em uso. Espaço perfeito para esses dias.
Todos os dias a vista que tínhamos ao sair da nossa casa temporária.

As 20h fomos conhecer nosso anfitrião. Mais um punhado de curvas para um outro lado escuro no meio das montanhas, chuva e frio. A casa de Paolo e Giuliana fica em Pranzo, dá para ver de Tenno, porque ambos os vilarejos ficam pendurados em um vale gigantesco. Chegamos em uma casa grande, que não dava para ver direito de fora. Entramos, sentimos o ar quente e já deu para tirar a jaqueta. E eu achando que ia dormir com ela... Paolo e Enrico nos esperavam. Perguntei por Giuliana e ele disse que estava em Trento com as crianças. A janta foi super agradável. Num italiano bem devagar para eu entender, Paolo explicou a diferença entre a cultura orgânica (que cuida da planta), a biológica (que cuida da planta e do solo) e a biodinâmica que cuida da planta e de todo o seu entorno, o cosmos. Serviu o spaghetti com olivas e óleo de oliva de produção própria. Eu e Greg só fechamos a boca porque estávamos comendo, mas o sabor e o aroma eram absolutamente fantásticos.


Usando os vocábulos que tínhamos e com ajuda do Marco, consegui entender que no outro dia iríamos colocar uns arames em algum lugar dos vinhedos. Era nossa tarefa. Bem fácil, segundo Paolo. Ele iria a um curso para o qual foi convocado em Trento, deixou instruções para Marco e Enrico nos cuidarem. Enrico também é woofer, um pouco mais velho, e pelo que consegui entender, ele está ali para aprender também. Tem certificado de Chef de Cozinha ("un cuoco") e, mesmo que não tivesse, eu comeria ajoelhada a sua comida. Bem, Paolo me ofereceu a casa inteira para comer depois da janta. Falei para ele que era bom ele parar de ser como a minha “nona”... Eita coisa de italiano isso de encher todo mundo de comida!


Marco nos levou ao apartamento que depois de um banho quente com o aquecedor no máximo pareceu bem mais confortável. O combinado era às 8h estarmos prontos para o trabalho no outro dia. Dormimos em um silêncio total. Afinal somos os únicos no prédio inteiro de pedra. Pelo menos eu acho.  

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