A ceifadora, essa cretina


Há tempos estou pensando em botar no papel essa reflexão. Desde janeiro, para ser mais exata. É capaz, nesse meio tempo, que eu tenha esquecido alguns detalhes sobre esse assunto, mas nos últimos dias tenho coletado mais exemplos para provar a minha tese (figurativamente, porque a tese de verdade ainda está em construção... :/).

Não sei se é porque a gente vive correndo ou porque não prestamos atenção direito ao que acontece ao nosso redor que a morte tornou-se algo banal, normal. Antigamente, em cidades pequenas as pessoas ficavam muito nervosas quando alguém dali falecia.

Tinha-se a crença de que quando um velhinho se ia, outros, que estavam pela boa, iam também. E acontecia. Em minha opinião, os amigos ficavam tão tristes quando alguém conhecido morria que acabavam aceitando melhor a própria morte e deixando de lutar para ficar por aqui.

Poderia escrever um texto muito maior se fosse aventar sobre os motivos que fazem as pessoas morrerem. Tenho minhas apostas e um punhado de gente tem outras teorias.

Mas o que trago aqui é que, a exemplo do que acontece em uma cidade pequena, a morte, está me tocando de outro jeito. Numa cidade grande morre gente todos os dias. Por isso não deveria ser algo de se espantar. Mas desde janeiro, vi que a ceifadora resolveu trabalhar muito este ano ao meu redor e de uma maneira jocosa, praticamente zombeteira.

Tudo começou com o meu tio. Eu estava na Espanha e, mais uma vez, recebi a notícia de que ele ia ser hospitalizado, para algo normal, um procedimento. Digo “mais uma vez” porque esse meu tio era especialista em enganar a ceifadora. Fora levar uma vida maluca e estressada em que ele poderia estar em duas cidades no mesmo dia (não, não era executivo, era padre, dos que achavam que tinha que fazer de tudo), ele teve alguns encontros interessantes com a senhora morte.

Um deles foi em um acidente na estrada, a BR 101, na “curva do boi” entre Camboriú e Estaleirinho. Sem detalhes, o meu tio virou farofa. Ossos se esmigalharam e todos diziam que era um milagre ele ter sobrevivido. A família gastou umas boas ave-marias. Sobreviveu, foi inteiramente colado e estava, de novo, no ritmo enlouquecedor alguns meses depois.

Depois disso, um problema no intestino tentou fazê-lo acalmar o ritmo da vida maluca que levava. Não conseguiu. No final das contas e alguns anos de idas em médicos e tratamentos depois, descobriram que era câncer. Começou a tratar. E pela segunda vez dona morte chegou bem pertinho dele. Teve que tirar o pâncreas, parte do estômago e o intestino. Penduraram uma bolsa de colostomia nele. E ele estava ali, se tratando com cuidado (afinal não tinha boa parte de alguns órgãos vitais) mas estava vivo. Mais uma vez tinha “dado o balão” na ceifadora. Num outro momento, novo susto. Viajei a Porto Alegre para praticamente me despedir dele porque ele tinha sido internado com uma hemorragia. Todo mundo dizia que naquela vez ele ia. Não foi.

Em janeiro desse ano, tudo caminhando bem na medida do possível, ele resolveu insistir com o médico para tirar a bolsa de colostomia, já que todos os exames estavam dando bons resultados no acompanhamento, o câncer tinha se ido, e o intestino poderia ser religado. Quando me ligaram dizendo que ele faria a cirurgia eu, tão acostumada com os balões que ele dava na morte, nem me preocupei muito. Morreu ali, com uma cirurgia que não tinha urgência de ser feita.

No mesmo mês, o marido de uma grande amiga da minha mãe foi internado numa quinta-feira com pressão alta. Na terça da outra semana ele morreu. Até agora não se sabe o motivo da morte. Não estava doente, não estava de cama. Assim.

Um tempo depois, outro grande amigo da família e radialista também se vai. Novo de tudo, atuante, teve problemas no pulmão e ela, a tal senhora vestida de negro, foi implacável. Levou-o também.

Uma das grandes amigas da minha irmã foi morar em Florianópolis, para trabalhar com ela. O marido dessa amiga possui boa parte da família lá e estavam felizes que a filhinha ia conviver mais com tias avós. Em uma semana duas dessas tias morrem, uma com o possível AVC (foi encontrada falecida) e outra com um enfarto. Quatro semanas depois o marido da segunda tia é atropelado na BR e morre instantaneamente.

Há duas semanas um dos meus alunos disse que precisava falar com um publicitário famoso daqui de Curitiba para a sua pesquisa. Lembrei que ele era amigo do meu pai e fiz a ponte. Consegui o contato, me reapresentei (mais de 15 anos sem falarmos) e ele me responde o email com um número de telefone para o aluno ligar para fazer a entrevista. Semana passada meu pai liga avisando que ele está hospitalizado, em coma induzido, com 1% de chance de vida. Assim, de uma semana para outra.

Meu filho voltou ontem do funeral da esposa de um amigo. Tinham casado de pouco. Formavam aquele casal super sangue bom, calmos, amigos de todo mundo e tinham um bebê de 10 meses. A esposa era nova, personal trainer e descobriu um câncer no intestino há 4 meses. Estava tratando direitinho, tudo indo bem, ela até posta no facebook que tudo estava melhor. Foi internada na quinta seguinte. Morreu na outra sexta.

Esses foram exemplos que eu consegui lembrar agora. E esse texto sai mais como uma gigantesca pergunta para esse tal maestro da vida e da morte: QUALÉ????

Dizem que a vida às vezes é irônica. Ultimamente eu formei outra opinião.
A morte é muito mais irônica. E cretina.

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